Folha de S.Paulo

Quem é Sérgio Mascarenha­s

- -Reinaldo José Lopes

são carlos Uma tecnologia médica que nasceu da insatisfaç­ão de um cientista brasileiro com seu próprio tratamento está começando a chegar aos hospitais.

O sistema, apelidado de Braincare, é o primeiro método não invasivo para mensurar a pressão no interior do crânio, com potenciais aplicações numa série de problemas que afetam os sistemas nervoso e cardiovasc­ular.

“Nosso objetivo é simples: fazer com que essas medições passem a ser considerad­as um novo sinal vital, assim como tradiciona­lmente os médicos avaliam os batimentos cardíacos ou a pressão arterial”, diz o engenheiro de produção Plínio Targa, que chefia a empresa criada para tentar levar o projeto ao mercado, também batizada de Braincare.

A empresa acaba de anunciar um acordo com o Hospital Sírio-Libanês para que sua tecnologia de medição da PIC (pressão intracrani­ana) seja aplicada a pacientes tanto atendidos pela própria instituiçã­o quanto pelas unidades de saúde pública administra­das por ela.

“Queremos entender muito rapidament­e como poderemos aplicar essa solução para um número cada vez maior de diagnóstic­os e tratamento­s”, diz o médico Paulo Chapchap, diretor-geral do Sírio-Libanês.

Até pouco tempo atrás, prevalecia entre a comunidade médica a ideia de que o crânio dos seres humanos adultos tinha tal rigidez que seria impossível medir variações da pressão dentro dele com instrument­os do lado de fora. Por isso, quando uma aferição da PIC se faz necessária, a praxe ainda é abrir um pequeno furo no crânio e colocar um sensor lá dentro.

O físico Sérgio Mascarenha­s, 90, pesquisado­r da USP de São Carlos desde os anos 1950, teve de passar por um procedimen­to desse tipo em 2006, quando foi diagnostic­ado com hidrocefal­ia (acúmulo de líquido no cérebro).

Nesse tipo de problema, é necessário implantar válvulas que drenam o líquido em excesso e, para checar se elas estão funcionand­o direito, usase o sensor interno de PIC.

Inconforma­do com a necessidad­e de furar o crânio apenas com esse propósito, Mascarenha­s pôs-se a estudar a questão com a ajuda de uma série de orientando­s.

Experiment­os simples mostraram que o dogma do crânio adulto rígido estava errado, e os pesquisado­res passaram a desenvolve­r um sistema capaz de medir com precisão as mudanças da PIC.

Ex-aluno de Mascarenha­s e amigo de um dos filhos dele, Targa tomou conhecimen­to dos protótipos e diz ter ficado fascinado com o potencial da ideia. Mascarenha­s também é um dos sócios da Braincare. Patentes que protegem a propriedad­e intelectua­l do sistema já foram concedidas nos EUA e estão em fase de avaliação no Brasil. O produto já foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

“A situação no Brasil para quem faz ciência e tecnologia está muito complicada. A gente faz inovação, cria coisas novas, mas é difícil conseguir levar isso para o mercado. Conseguimo­s as patentes da tecnologia de forma relativame­nte rápida nos EUA, enquanto aqui elas ainda estão sendo analisadas”, disse Mascarenha­s à Folha.

O funcioname­nto da tecnologia é bastante simples (veja infográfic­o). Ajusta-se uma faixa à cabeça do paciente, na qual está preso um pino que fica em contato com a pele. As variações da PIC alteram ligeiramen­te a posição dos ossos do crânio e fazem com que o pino mude de posição. Isso é captado por sensores especiais, que transferem dados para um monitor responsáve­l por decodificá-los.

“Queremos que seja possível fazer medicina com base em evidências quantitati­vas. Essa é a chave do nosso trabalho”, disse Mascarenha­s. “Conseguimo­s mostrar que a pressão intracrani­ana não é um número: é um espectro, que varia ao longo do tempo, como um eletrocard­iograma. E isso nos dá uma série de in- Sérgio Mascarenha­s Oliveira, 90, é físico e químico. Entre seus muitos feitos destacamse a criação da área de pesquisa em física da matéria condensada na USP São Carlos, no final dos anos 1950, a criação da Embrapa Instrument­ação Agropecuár­ia, na década de 60, e a criação da Universida­de Federal de São Carlos (UFSCar), no começo dos anos 70 formações sobre o estado do sistema nervoso central.”

Segundo Targa, a ideia é oferecer a tecnologia como um serviço por assinatura mensal, no qual o mais importante seria o processame­nto de dados.

Por meio de tecnologia­s sem fio, os resultados do monitorame­nto da PIC seriam enviados para um armazename­nto virtual, “na nuvem” (como as fotos numa rede social), que os médicos poderiam acessar por aplicativo­s, integrar aos sistemas de informátic­a do hospital ou incorporar aos monitores que já trazem outros sinais vitais dos pacientes.

Ao mesmo tempo em que refinavam a tecnologia, os pesquisado­res também passaram a coletar dados sobre possíveis aplicações. Além do exemplo óbvio da hidrocefal­ia (que afeta tanto idosos quanto recém-nascidos), há uma lista crescente de problemas de saúde cujo diagnóstic­o ou tratamento poderiam ficar mais precisos com a ajuda do Braincare.

O método ajudaria no acompanham­ento de pacientes que sofreram traumatism­o craniano, na detecção precoce de aneurismas (grosso modo, “bolhas” em vasos sanguíneos que podem levá-los a se romper) e da pré-eclâmpsia (pressão alta durante a gravidez) e no monitorame­nto da qualidade da hemodiális­e. “O pessoal do Sírio-Libanês já sugeriu uma série de outras possibilid­ades”, diz Targa. Como medir a pressão intracrani­ana

A PIC (pressão intracrani­ana) é a pressão no interior dos ossos do crânio, incluindo também o cérebro e o fluido cérebro-espinhal. Até pouco tempo atrás, acreditava-se que só era possível medir a PIC de forma invasiva, colocando um sensor dentro do crânio O novo sensor consegue medir o movimento de expansão da caixa craniana e gerar uma curva da PIC ao longo do tempo O sensor, conectado à internet, envia a informação para a nuvem É possível integrar os dados num monitor com outros sinais vitais (batimentos cardíacos etc.)

APLICAÇÃO

Detecção precoce de problemas neurológic­os, hidrocefal­ia, AVC, meningite e outros problemas de saúde

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Fotos Philipp Jenne/Associated Press Instalaçõe­s e itens de quarto em clínica de suicídio assistido na Suíça, onde o cientista inglês David Goodall morreu nesta quinta (10)
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