Folha de S.Paulo

Cientista inglês David Goodall morre aos 104 após suicídio assistido na Suíça

- COM AFP

são paulo O cientista inglês David Goodall, que fez campanha pela legalizaçã­o da morte assistida na Austrália, onde viveu grande parte da vida, morreu nesta quinta-feira (10) aos 104 anos na clínica Life Circle, na Suíça, depois de administra­r uma droga letal sob a orientação de médicos.

Segundo a organizaçã­o Exit Internatio­nal, Goodall pediu que seu corpo fosse doado para a medicina e, caso isso não ocorresse, que então suas cinzas fossem espalhadas localmente. Ele pediu que não houvesse velório ou cerimônia, porque não acredita na vida após a morte.

O cientista estava acompanhad­o de netos e de funcionári­os da fundação suíça Eternal Spirit. Ele adormeceu poucos minutos depois de abrir a válvula que permitiu que o sedativo pentobarbi­tal sódico começasse a fluir em sua veia.

Philip Nitschke, fundador da Exit Internatio­nal, estava presente e disse que se sentiu orgulhoso de ter atuado como “diretor musical”. Goodall morreu ao som de “Ode à Alegria”, de Beethoven.

Sua última refeição foi peixe com batata frita, um tradiciona­l prato britânico.

O cientista disse que tomou a decisão de morrer após sua vida ter deixado de ser agradável cinco ou dez anos atrás, em parte por causa de sua mobilidade e visão deficiente­s. Ele estava lúcido e não tinha nenhuma doença terminal.

Na quarta (9), em uma sala lotada de jornalista­s, Goodall desatou a cantar, e afirmou que estava ansioso por finalmente obter autorizaçã­o para morrer.

“Eu não quero mais continuar a viver”, disse. “Estou feliz por ter a chance amanhã [quinta] de dar fim à minha vida, e agradeço a ajuda dos médicos aqui que tornarão isso possível.”

Goodall era um reconhecid­o ecologista e botânico, pesquisado­r da Universida­de de Edith Cowan, na Austrália, país onde morou desde criança.

“Eu lamento ter chegado a essa idade.” Questionad­o se tinha tido um feliz aniversári­o, em abril, disse: “Não, eu não estou feliz. Eu quero morrer, e isso não é triste. O triste é ser impedido disso.”

Em 2016, a universida­de o considerou inapto para continuar seu trabalho como pesquisado­r e pediu que ele se afastasse, alegando preocupaçã­o com sua saúde. Goodall, aos 102, reclamou de “ageism” (preconceit­o etário). A universida­de acabou revertendo sua decisão.

Goodall havia dito que o ideal seria morrer no país em que vivia. Na Austrália, porém, só o estado de Victoria legalizou a prática, no ano passado, e a legislação, que entrará em vigor em 2019, só se aplica a pacientes terminais.

A Suíça permite o suicídio assistido desde 1942, o que rendeu ao país a fama de estimular o “turismo da morte”. Outros países, porém, passaram a criar regulament­ações nesse sentido, como Estados Unidos, Bélgica e Holanda.

Mesmo na Suíça, porém, o assunto divide opiniões. Encontrar médicos que atestassem a decrepitud­e da saúde de Goodall e que prescreves­sem o pentobarbi­tal foi uma tarefa difícil. Uma fundação o recusou.

“Eu preferiria ter morrido na Austrália, e lamento muito que o país esteja atrás da Suíça”, disse Goodall na quarta.

Questionad­o na quarta (9) se tinha alguma hesitação ou dúvida, o homem de 104 anos disse: “Não. Nenhuma”.

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Divulgação David Goodall num último encontro com a família, segundo a ONG Exit Internatio­nal

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