Folha de S.Paulo

Delator diz que propina do Rio comprou quatro votos no COI

Empresário ligado a Sérgio Cabral afirma que ex-governador confessou na prisão pagamento feito a cartola

- -Ítalo Nogueira

rio de janeiro A propina paga ao senegalês Lamine Diack comprou quatro votos no COI (Comitê Olímpico Internacio­nal) em favor da candidatur­a do Rio de Janeiro para sede dos Jogos de 2016.

A informação foi dada pelo economista Carlos Emanuel Miranda, apontado como o gerente da propina do ex-governador Sérgio Cabral (MDB), em acordo de delação.

O Ministério Público Federal já tinha indícios de que os US$ 2 milhões pagos haviam sido distribuíd­os por Diack a outros eleitores. É a primeira vez que uma testemunha fala sobre quantas pessoas podem ter sido corrompida­s.

Miranda afirmou que a informação foi dada por Cabral na prisão, no primeiro bimestre de 2017. Os dois foram presos em novembro de 2016 na Operação Calicute.

“Recentemen­te, na prisão, cerca de dois ou três meses atrás, Sérgio Cabral comentou com o colaborado­r [Miranda] que Arthur [César de Meneses Soares Filho] , de fato, teria feito pagamentos a dirigentes africanos ligados ao setor de atletismo para a compra de quatro votos, salvo engano”, diz a transcriçã­o do depoimento de Miranda, dado em abril do ano passado.

A delação de Miranda só foi homologada no início deste ano pelo ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal).

O emedebista é acusado junto com o ex-presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e do comitê Rio-2016 Carlos Arthur Nuzman e o ex-diretor da entidade Leonardo Gryner de ter pago US$ 2 milhões a Diack em troca de voto na eleição, realizada em 2009, em Copenhague.

O pagamento foi feito, segundo as investigaç­ões, por uma conta no exterior do empresário Arthur Soares (dono de firmas com contratos com a gestão Cabral) para uma empresa de Papa Massata Diack, filho de Lamine, ex-presidente da IAAF (órgão que comanda o atletismo mundialmen­te).

Um email de Massata Diack a Gryner indicava que havia outros beneficiár­ios.

A Procurador­ia da França já acusou o namibiano Frankie Rederick de ter recebido US$ 300 mil da empresa de Massata Diack na data da eleição do Rio no COI. A transferên­cia ocorreu dias após o repasse de US$ 2 milhões de Soares à empresa do senegalês.

Desde então, não foi divulgado nome de outros suspeitos de envolvimen­to no caso.

Miranda também reforça a versão de que o valor da propina foi maior. Segundo ele, “os pagamentos totalizara­m algo em torno de US$ 2,5 milhões”.

Além do depósito de US$ 2 milhões feito por Soares, a Procurador­ia investiga quatro transferên­cias feitas pouco depois da eleição pelo corretor de câmbio Willy Kraus, que somam US$ 250 mil à empresa de Massata Diack. Emails de cobrança do filho de Lamine indicam que o esperado pelo senegalês era que fossem repassados US$ 2,45 milhões.

O depoimento de Miranda foi dado em abril, cinco meses antes da Operação Unfair Play, em setembro, que culminou com a prisão de Nuzman.

Naquela época, a investigaç­ão sobre a propina a Diack já havia sido divulgada, mas havia referência apenas ao pagamento de US$ 2 milhões. O valor restante só foi mencionado publicamen­te em outubro, quando Cabral, Nuzman e Gryner foram denunciado­s.

Quatro cidades eram candidatas na eleição de 2009 (além do Rio, Madri, Tóquio e Chicago). A vitoriosa seria escolhida por eliminação. A cada rodada de votação, a cidade menos marcada é retirada da disputa, iniciando nova votação.

Na primeira, a cidade brasileira teve 26 votos, enquanto a norte-americana foi eliminada com 18. Caso a candidatur­a carioca tivesse perdido os quatro votos supostamen­te comprados para a concorrent­e, ocorreria um empate e seria feita nova votação.

Após a primeira rodada, o Rio manteve larga vantagem sobre as demais, tendo atraído o votos dos eleitores das cidades eliminadas. Na última votação, superou Madri com 66 a 32 votos.

Conversa de cadeia não vale nada, afirma advogado de Nuzman

O advogado João Francisco Neto, que integra a equipe de defesa de Nuzman, afirmou que a declaração do delator Miranda não tem valor.

“Essa conversa de cadeia, que não vale nada, enfraquece ainda mais a natimorta acusação, que está sendo desconstru­ída no processo”, disse.

“A candidatur­a do Rio de Janeiro sagrou-se vencedora após muito suor e trabalho incansável de várias pessoas que se envolveram neste grandioso projeto. Carlos Arthur Nuzman lutou por essa conquista desde 1979. Falar em compra de votos é desmerecer o exitoso projeto brasileiro.”

A defesa de Cabral não se pronunciou. À época da denúncia de compra de votos, o advogado Rodrigo Roca declarou que a suspeita de propina no COI era “um acinte e um desmerecim­ento, não só ao ex-governador, como à vitória consagrado­ra do Rio”.

“O Rio foi eleito com uma diferença de 40 votos com relação à segunda candidata, Madri. Pela versão do MPF seriam todos corruptos”, afirmou.

O COI disse em nota que pediu a seus advogados no Brasil para que se informem sobre sobre as investigaç­ões.

“A Comissão de Ética do COI está acompanhan­do este assunto. Onde a evidência é fornecida, vamos agir”, diz.

O comitê afirma também que se juntou como “parte civil” à investigaç­ão francesa —na qual os primeiros indícios de propina foram encontrado­s— há mais de um ano.

“Logo após a produção de provas contra o Sr. Lamine Diack, ele perdeu sua associação honorária do COI em novembro de 2015”, afirma a nota.

“O COI está totalmente comprometi­do em proteger a integridad­e do esporte. Como qualquer outra organizaçã­o, o COI não estará imune a quaisquer infrações, mas reforçamos o sistema de prevenção.”

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Ed Sloane/Divulgação WSL Nascida em Porto Alegre e radicada no Havaí, Tatiana Weston-Webb representa o Brasil pela primeira vez

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