Folha de S.Paulo

(Não) esqueceram de mim

- -Guilherme Genestreti

são paulo É manhã de terçafeira num teatro em São Paulo. Ao ouvir o sinal do diretor, o ator Caio Horowicz, 22, desce as escadas da plateia e chega próximo ao colega Victor Mendes, 30. Ele diz a fala de seu personagem: “Quer dizer que você não vai mesmo falar comigo?”. Os dois cumprem um curto diálogo. Corta. Hora de filmar a próxima cena.

Na noite daquela mesma terça, fotos do dia de filmagem já estão nas redes sociais, receberam centenas de curtidas e dezenas de comentário­s (“Ai meu <3” é o mais comum).

“Música para Cortar os Pulsos”, adaptação cinematogr­áfica da peça homônima, ainda está sendo rodado, mas já tem página no Facebook e no Instagram. Fica evidente que é uma obra para um público muito específico, o juvenil.

Mais de um terço dos brasileiro­s que costumam ir aos cinemas está na faixa dos 12 aos 24 anos, isto é, adolescent­es e pós-adolescent­es, segun- pesquisa feita pela Kantar Ibope Media em 2018.

Essa fatia expressiva do público por muito tempo se viu pouco representa­da nos filmes nacionais. Mas há atualmente uma onda de novos títulos que pretende preencher essa lacuna e agradar diferentes classes sociais.

Mais autoral e voltado a espectador­es na casa dos 20 e poucos anos, “Música para Cortar os Pulsos” é uma dessas tentativas. O longa está previsto para o primeiro semestre do ano que vem.

“A vontade que tinha era de fazer um filme, mas transforma­r a história em peça era mais fácil”, diz Rafael Gomes, 35, que escreveu o texto teatral e dirige sua adaptação para os cinemas. “Na época, não tinha nem peça nem filme para esse público pós-adolescent­e.”

A peça estreou em 2010 e alcançou cifras consideráv­eis nos palcos. Ancorada no monólogo de três jovens que se veem num triângulo amoroso, ela rodou 30 cidades brasileira­s e fez 30 mil espectador­es.

“Todo mundo tem vergonha de ser cafona, prefere ser cínico. A peça não tinha vergonha nenhuma de falar de sentimento”, afirma Gomes.

Para levá-lo ao cinema, teve que transforma­r os monólogos em narrativa e dar atenção especial à música, que era parte central da encenação.

Canções, que no texto original eram citadas pelos personagen­s, vão virar mote para cenas em karaokê, em loja de instrument­os e até com músicos de rua de São Paulo.

A depender dos espectador­es que colheu no teatro, “Música...” pode repetir o êxito de “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” (2014), que também veio apoiado numa base de fãs preexisten­te. O filme de Daniel Ribeiro vendeu 205 mil ingressos —número grande para uma produção do tipo.

Ambos os longas, aliás, estão no guarda-chuva da mesma produtora, a Lacuna Filmes, e da mesma distribuid­ora, a Vitrine.

“Desde a produção já queremos cativar o público, atiçar a curiosidad­e”, diz a produtora Diana Almeida, da Lacuna. “É uma mentalidad­e que está mudando entre os produtores, de pensar que não importa só fazer o filme, mas já pensar em como levar o público desde o desenvolvi­mento.”

Almeida já tem outro projeto voltado a esse mesmo público em pré-produção. É “Amanda e Caio”, história do relacionam­ento entre um casal transgêner­o que será dirigida pelo responsáve­l por “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”.

Para Silvia Cruz, diretora da distribuid­ora Vitrine, parte da rejeição que havia com o cinema nacional se devia em boa parte ao fato de o público jovem não se ver representa­do nas telas. Para promover “Música para Cortar os Pulsos”, ela aposta nas redes sociais como forma de aquecer a espera.

“A grande estratégia é desenvolve­r conteúdo e campanha que dialoguem com jovens de igual para igual”, afirma.

‘Filme juvenil não tem espectador, tem fã’, diz produtor do segmento

Há ainda um outro filão do cinema nacional, ainda mais novo, que também influencia o segmento daqueles que trabalham com filmes de perfil mais comercial. Essa faixa de público ficou carente desde que Xuxa e os Trapalhões pararam de lançar filmes.

“O gênero adolescent­e tinha uma ligação histórica com a venda de ingressos no Brasil, mas como a produção não foi constante, perdeu-se o hábito”, diz Bruno Wainer, diretor da distribuid­ora Downtown Filmes, que em 2017 lançou “Meus 15 Anos” (mais de 700 mil ingressos vendidos).

Segundo ele, a resposta para atrair essas pessoas de volta aos cinemas pode ser pardo Consumo de cinema por faixa etária*

12 a 19 anos 20 a 24 25 a 34 35 a 44 45 a 54 55 a 64 acima de 65 18,8 11,3 22,3% 25,1 tir de um material já conhecido, como livros lançados, e de um elenco com apelo.

“Mas para vender mais de 1 milhão de ingressos, tem que ter apelo popular, fazer sucesso em Aricanduva”, diz, citando o shopping paulistano que recebe um público significat­ivo da classe C.

Diretor de desenvolvi­mento de negócios na produtora Panorâmica, Rodrigo Guimarães está tocando o lançamento de dois filmes comerciais voltados a adolescent­es: “Tudo por um Pop Star” e “Cinderela Pop”.

O dois têm em comum um best-seller que os inspira e atores vindo da TV. Maisa Silva, apresentad­ora do SBT, estará em ambos os projetos.

“Filme juvenil não tem espectador, tem fã”, diz Guimarães. “E o ‘star system’ desses filmes está conectado com seus fãs na internet. Para chamar público, não precisa mais botar um outdoor na frente de uma escola, é só o ator postar nas redes sociais.”

Quem se associou a esses projetos adolescent­es da Panorâmica foi a Investimag­e, empresa que atua na área de captação de fundos de financiame­nto para filmes.

“Quando o modelo das comédias nacionais começou a esgotar, viu-se um filão no público que consome vídeos do YouTube”, diz Gabriel Kessler, sócio da Investimag­e. “É uma onda que está só começando e que dá para ser bancada com os orçamentos disponívei­s no Brasil.”

Com o surgimento das plataforma­s de vídeo sob demanda abre-se uma nova forma de lucrar com esse gênero, explica Kessler.

“O cinema continua sendo a vitrine. Se um filme for bem lá, as plataforma­s estarão dispostas a pagar um valor vinculado ao número de ingressos vendidos.”

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