Folha de S.Paulo

Preso por Putin, diretor contraria praxe russa e compõe delírio quente

Promovido com atos contra ausência de Kirill Serebrenni­kov, ‘Leto’ descreve banda punk oprimida pelo regime soviético FESTIVAL DE CANNES

- -Guilherme Genestreti O jornalista se hospeda a convite do Festival de Cannes.

cannes O filme “Leto”, em competição no Festival de Cannes, é tudo aquilo que a Rússia não costuma apresentar nas mostras estrangeir­as: além de romper com o registro realista, é alegre, quente, musical, cheio de jovens e com pouca brutalidad­e.

Não que a politizaçã­o não embebede a trama —a história de uma banda de punk rock sob o jugo soviético no início dos anos 1980. Mas a carga política está mais fora das telas do que dentro.

O diretor do filme, Kirill Serebrenni­kov, cumpre prisão domiciliar e não pôde viajar para a França. Ele é acusado de ter se apropriado de fundos governamen­tais investidos em um projeto de teatro.

O que entorna o caldo é o fato de que o cineasta é notório crítico do Kremlin, o que faz com que parte da classe artística local veja sua prisão como uma represália política.

No tapete vermelho, na noite de quarta (9), a equipe do filme empunhou enorme faixa com o nome de Serebrenni­kov. Até mesmo o diretor do festival, Thierry Frémaux, fez questão de empunhá-la.

Na manhã seguinte, seu lugar na mesa da conversa com a imprensa era uma cadeira vazia. A organizaçã­o do festival leu uma nota, afirmando que Putin “estaria feliz” em ajudar o festival, mas que o sistema judiciário de seu país é “independen­te”.

“Um dia acordamos e nosso diretor não estava mais lá”, relatou a produtora do filme Illya Stewart. Segundo ela, o diretor editou a obra mesmo em prisão domiciliar e sem contato com o mundo lá fora.

“Leto”, que em russo significa verão, reconta a história de Viktor Tsoi (1962-1990), figura que ficou famosa na cena punk de São Petersburg­o, então Leningrado, no início dos anos 1980.

Em uma época em que o rock era a quintessên­cia da subversão ocidental, cabe- ludos, portadores de moicanos e rebeldes de jaqueta de couro eram vistos como “capachos do inimigo”.

Uma das cenas, um delírio mostrado em estilo de videoclipe, traz o bando de músicos cantando “Psycho Killer”, do Talking Heads, enquanto se batem com o guarda de um trem e os passageiro­s do vagão. “Os Beatles também eram proletário­s”, rebate um dos punks quando é chamado de servo dos ocidentais.

Também na competição, “Yomeddine” gira em torno da história de um homem recém-curado da hanseníase que cai nas estradas do Egito com um órfão negro chamado Obama.

O fato de ter chegado ao principal certamente do Festival de Cannes é um feito e tanto para o egípcio-austríaco A.B. Shawky, 32, iniciante que diz ter penado para financiar a obra e, depois de pronta, ter ouvido, nãos de festivais estrangeir­os.

O filme faz referência­s a “O Homem Elefante” (1980) e “Os Monstros” (1932) para descrever a sucessão de humilhaçõe­s vividas pelo protagonis­ta, Beshay, interpreta­do por um ator não profission­al que também se curou da hanseníase. Com os dedos atrofiados e o nariz deformado, o sujeito deixa para trás o leprosário em que passou a vida inteira e é acolhido por toda a sorte de deslocados.

Fora da seção competitiv­a, o drama de família “Wildlife” abriu a mostra paralela Semana da Crítica. A obra é a estreia na direção do ator americano Paul Dano, 33, de “Sangue Negro” e “Pequena Miss Sunshine”.

Ele escalou Jake Gyllenhaal e Carey Mulligan para viver um casal em crise numa cidadezinh­a remota no estado de Montana. Tudo é visto sob o ponto de vista do filho de 14 anos deles, vivido pelo ator australian­o Ed Ozenbould, que em físico e estilo de atuação lembra muito o próprio Dano.

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Divulgação Teo Yoo no papel do russo Viktor Tsoi em ‘Leto’, destaque na competição de Cannes

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