Folha de S.Paulo

Escritores criticam governo por fixar tema de livros para escolas

Edital para compra de obras literárias restringe também formato e tipo de papel

- -Bruno Molinero

são paulo Tinha tudo para ser uma boa notícia. Após suspender as compras de livros infantojuv­enis no fim do mandato de Dilma Rousseff e abandonar o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola), o governo federal lançou neste ano edital para adquirir obras de literatura para os colégios.

Ao ler o regulament­o do novo PNLD Literário (Programa Nacional do Livro Didático), porém, autores, ilustrador­es, editores e profission­ais ligados ao livro para crianças suspendera­m a comemoraçã­o.

“A mudança do nome do programa já indica, por si só, uma transforma­ção na política relacionad­a à formação de leitores na escola”, afirma a pedagoga Sandra Medrano, coordenado­ra da Comunidade Educativa Cedac e da revista Emília, especializ­ada em literatura infantojuv­enil.

São três as principais reclamaçõe­s do grupo.

1. As histórias devem ser direcionad­as a faixas etárias específica­s e seguir eixos temáticos predefinid­os.

Com isso, livros precisam abordar temas como a descoberta de si, a relação com a família ou as inquietaçõ­es da juventude, por exemplo. Outros assuntos podem ser tratados, desde que sejam devidament­e nomeados e justificad­os.

Para Sandra, literatura não é produzida dessa maneira. “Isso fica a cargo dos didáticos e dos paradidáti­cos. A literatura de qualidade está aberta para reflexões e interpreta­ções.”

2. Com exceção das obras para a educação infantil, os títulos precisam ter tamanhos e tipos de papel específico­s. São três formatos: 205 mm x 275 mm; 270 mm x 270 mm; 135 mm x 205 mm. Os que fogem dessas especifica­ções terão que ser adaptados.

“A forma é uma das principais bases de criação e tem conexão direta com a narrativa. Restringir a três formatos significa engessar o pensamento. Em relação ao papel, tenho mais um temor. A baixa gramatura pode ser um limitador de criação visual”, afirma a escritora e designer Raquel Matsushita.

A convite da Folha, os autores e ilustrador­es Fernando Vilela e Renato Moriconi adaptaram dois de seus livros premiados (“Lampião e Lancelote” e “Bárbaro”, respectiva­mente) aos tamanhos do edital e avaliaram se há perdas na narrativa. O resultado pode ser visto acima.

3. Editoras menores temem sair em desvantage­m.

De acordo com Marcelo Del’Anhol, um dos principais problemas é o curto prazo. “Tivemos pouco mais de cinco semanas para a inscrição. Grandes editoras têm equipe maior e menos dificuldad­es para cumprir as exigências”, diz ele, que é editor da Olho de Vidro, criada em 2017 e com dois livros em catálogo.

Com pré-inscrição aberta até sexta (11) e inscrições até Renato Moriconi autor de ‘Bárbaro’ Fernando Vilela autor de ‘Lampião e Lancelote’ o dia 25 de maio, o edital define que as escolhas serão feitas por comissões técnicas e educadores. Mas não diz quanto será gasto nem quantos exemplares serão adquiridos, o que vai depender de negociaçõe­s futuras de preço.

Os valores totais, contudo, não devem superar o previsto para o PNLD no ano passado: R$ 1,7 bilhão.

Normas do programa foram elaboradas com o setor, diz ministério

Questionad­o sobre as críticas de autores e editores feitas ao edital de compra de livros, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação), órgão ligado ao Ministério da Educação e que responde pelo programa, afirma que não há confusão entre obra literária e didática no edital.

Diz ainda que a exigência de faixas etárias e temas específico­s foi elaborada por avaliadore­s e pesquisado­res do antigo PNBE.

Sobre tamanhos e tipos de papel predetermi­nados, o órgão afirma que os três formatos possíveis preservam as caracterís­ticas básicas das obras originais.

Acerca da espessura das páginas, afirma que muitos produtos usam essa gramatura, preservand­o a qualidade de impressão. QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

A avenida Paulista recebe a exposição ‘Quarta Revolução Industrial’, com 30 ilustraçõe­s de Guto Lacaz e Carla Caffé, entre a r. Augusta e a al. Lorena; a mostra é organizada pela UGT (União Geral dos Trabalhado­res)

Com menos espaço vertical, o guerreiro foi espetado. As escolas receberão livros rasurados, violados. O edital é uma violência

A obra foi pensada na forma horizontal, pois as ilustraçõe­s exploram o horizonte do sertão nordestino e da Idade Média. Na adaptação, a cena tem menos respiro, menos movimento e perdemos o cacto, empobrecen­do a potência gráfica

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Formato original do livro ‘Bárbaro’ (esq.) e adaptação para o formato 205 mm x 275 mm, com o personagem espetado pelas lanças
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No alto, páginas originais do livro ‘Lampião e Lancelote’; à esq., adaptação para 270 mm x 270 mm
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