Folha de S.Paulo

Argentina, de volta aos anos 1990

O exemplo argentino indica que acertamos na estratégia de choque contra a inflação

- Samuel Pessôa Físico, doutor em economia, pesquisado­r do Ibre-FGV e sócio da consultori­a Reliance T Q Q S S Samuel Pessôa | Marcia Dessen

A Argentina vai ao Fundo Monetário Internacio­nal. A economia apresenta um déficit de transações com o exterior —contando comércio de bens e serviços e pagamento de juros, lucros e dividendos— de 5% do PIB, ou uns US$ 30 bilhões.

A dívida pública, somente do governo central, é da ordem de 50% do PIB, sendo que 70% dela é denominada em moeda externa. Quando o câmbio se desvaloriz­a, a dívida pública aumenta.

Vale entender como chegamos aqui.

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Algum tempo depois da grande crise na Argentina entre o fim de 2001 e o início de 2002, quando o país decretou moratória da dívida externa e acabou com a paridade fixa entre o peso argentino e o dólar americano, registrou-se, já no período Kirchner, forte ritmo de cresciment­o.

Entre 2002 e 2011, a economia cresceu a uma média anual de 6,3%, ou 74% em nove anos.

Três motivos explicam o cresciment­o: o ponto inicial com elevada ociosidade, em seguida

| Nizan Guanaes; Benjamin Steinbruch | Alexandre Schwartsma­n | Laura Carvalho | Nelson Barbosa; Pedro Luiz Passos | Marcos Sawaya Jank; Rodrigo Zeidan

2 à crise fortíssima; os efeitos benéficos do longo ciclo de commoditie­s; e a colheita das reformas institucio­nais do governo Menem. Da mesma forma pela qual Lula colheu parte dos benefícios das políticas liberaliza­ntes de FHC.

Evidenteme­nte, o boom de commoditie­s passou, a ociosidade terminou e os efeitos benéficos das reformas institucio­nais do período Cavallo passaram. Como ocorreu por aqui.

Tanto lá quanto cá, quando o cresciment­o fraquejou, optou-se por manter a política de pé embaixo. Até esse ponto o paralelism­o surpreende.

Por aqui, entretanto, por alguma razão a tolerância do eleitor à inflação e à bagunça fiscal é, em geral, mais baixa. Dilma no segundo mandato começou a arrumar a casa, tanto com Joaquim Levy quanto com Nelson Barbosa. Temer, com Meirelles, continuou.

Muito há a ser feito. No entanto, estamos no caminho certo. Falta a sociedade se pronunciar nas eleições e negociar os detalhes do ajuste fiscal estrutural. 3

Na Argentina, Cristina Kirchner dobrou a aposta e passou para a oposição a economia estagnada há muitos anos, com inflação na casa de 30% anuais, além do atraso tarifário e do elevado desequilíb­rio fiscal.

Chegou um momento em que os desequilíb­rios macroeconô­micos teriam de ser enfrentado­s. A arrumação da casa caiu no colo do governo Mauricio Macri.

O desastre com a inflação é que, uma vez ela tendo início, é muito difícil derrubá-la —e impossível sem custo social. A desorganiz­ação representa­da pela elevação sistemátic­a dos preços demanda aumento do desemprego e da ociosidade. É o doloroso mecanismo disciplina­dor para impedir aumentos excessivos dos salários e dos preços.

Macri calculou que era mais viável politicame­nte uma estratégia gradual de enfrentame­nto 4 da inflação. Talvez a existência por lá de eleição de meio de mandato, que encurta de quatro anos para dois anos o prazo para que o Executivo colha os efeitos benéficos dos ajustes inicialmen­te implantado­s, tenha pesado na escolha da estratégia gradual.

O gradualism­o tinha como uma de suas hipóteses juro zero mundo afora a perder de vista. Os títulos do Tesouro americano de dez anos rodando a 3% ao ano abortaram o gradualism­o.

O exemplo argentino indica que acertamos em termos adotado estratégia de choque no combate à inflação.

Heterodoxi­a

A ótima coluna de Nelson Barbosa de sexta-feira (11) neste espaço mostrou que não necessaria­mente heterodoxi­a é incompatív­el com responsabi­lidade fiscal.

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Xavier Martin / Folhapress
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