Folha de S.Paulo

‘Se tiveram má criação, foi porque você trabalhou; se foi boa, Deus ajudou’

Luiza Trajano conta como conciliou a maternidad­e com a construção de uma das maiores redes do país DIA DAS MÃES

- -Tatiana Vaz

DEPOIMENTO são paulo Enquanto criava três filhos, a empresária Luiza Helena Trajano transformo­u uma loja em Franca, interior de São Paulo, numa das mais admiráveis redes de varejo do país. O Magazine Luiza é chamado de Amazon brasileira pelo uso de inovações nas vendas, e suas ações se valorizara­m incríveis 720% desde o fim de 2016.

Alternando a presidênci­a do conselho de administra­ção da rede com a liderança do grupo Mulheres do Brasil, Luiza Helena agora também é avó e ativista feminina.

Quando encontra uma profission­al com dificuldad­e para conciliar carreira e maternidad­e, os seus olhos ficam marejados. Pondera se a culpa —tão comum na vida profission­al de mães— é o motivo do imbróglio. Conta que nunca vivenciou essa sensação porque cresceu rodeada de fortalezas femininas e que isso fez toda a diferença em sua trajetória.

Venho de uma família em que as mulheres sempre trabalhara­m muito, em uma época em que trabalhar fora não era comum. Tive a sorte de ter duas pessoas de personalid­a- de muito forte perto de mim —minha mãe, de uma inteligênc­ia emocional ímpar, e minha tia, uma empreended­ora nata.

Mesmo sendo filha única, fui criada para ser independen­te, ser a protagonis­ta da minha história. Com seis anos, andava de ônibus sozinha. Viver em Franca [interior paulista] ajudava muito nesse sentido.

Aos 12, comecei a trabalhar na loja de presentes da minha tia, o Magazine Luiza. O maior incentivo veio de casa. Minha mãedizia:“Nãotemimpo­rtância você gastar, desde que você ganhe primeiro”. Essa concepção de que o legal era ganhar até hoje me acompanha.

Casei cedo, aos 22. Dois anos depois, tive o primeiro filho [Frederico, 42, presidente da rede]. Depois, tive duas meninas, hoje com 39 e 37 anos.

Voltava a trabalhar um mês e meio depois dos partos, com eles nos braços. Amamentava em casa e levava para as lojas.

Lembro o que minha mãe disse quando eu tive o Fred: “Filho é um marco, é a coisa mais importante da vida”. Falou que não havia receita certa para criar, apenas bom senso e muito amor, e que eu nunca deveria “pegar culpa”. Ela me alertou: “Minha filha, vão dizer que, se foi ruim [a criação dos seus filhos], foi porque você trabalhou, se foi boa, foi porque Deus ajudou”.

Acho engraçado quando me perguntam como criei meus filhos, hoje bem-sucedidos, enquanto fazia a empresa crescer. Sempre respondo: “Foi Deus quem ajudou”.

Minha tia, por outro lado, me ensinou a ser empreended­ora. Para ela, nunca tinha crise, tudo era oportunida­de. Ela dizia que eu sempre daria conta. E essa capacidade de acreditar em mim foi o que mais me ajudou. Tive pouca culpa e muito esforço.

Nunca teorizei a educação das crianças. Acompanhav­a o que aprendiam na escola, mas nunca dei longos discursos morais. Eu os criei pelo exemplo, mostrando que dinheiro não compra tudo, que é preciso tratar todos como igual.

Nunca tive dó de filho, nem de funcionári­o. Tenho de desemprega­do que quer trabalhar. Para mim, depois de saúde, emprego é a melhor coisa da vida.

Tive que aprender a sentir dó, conviver com esse sentimento, depois que virei avó. Tenho dó de dar bronca.

E, por mais enérgica que eu seja, tenho muito cuidado com os outros. Sempre penso que poderia ser um filho meu. Por isso não acredito que as pessoas precisam ser uma coisa em casa, outra no trabalho.

As empresas precisam entender: se uma pessoa tem um bebê doente em casa, ela não consegue trabalhar normalment­e. Não adianta. Luiza Helena Trajano, 66

Formada em administra­ção de empresas e direito, é presidente do conselho de administra­ção do Magazine Luiza e uma das fundadoras do grupo Mulheres do Brasil Evolução do Magazine Luiza

Cresciment­o da varejista nos últimos cinco anos

RECEITA BRUTA EBITDA (índice de eficiência operaciona­l) LUCRO LÍQUIDO VARIAÇÃO DAS AÇÕES NA BOLSA

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