Folha de S.Paulo

Produção científica de pesquisado­ras cai depois da maternidad­e, diz estudo

Entre as cientistas, 60% dizem que ter filhos provocou um impacto negativo na carreira acadêmica DIA DAS MÃES

- -Fernanda Canofre Colaborou Fernando Tadeu Moraes

porto alegre A física Aline Pan, 37, terminou o doutorado aos 28 com um currículo invejável. Única mulher entre sete homens a ser enviada ao exterior com bolsa integral, num doutorado pleno em energia solar, ela integrou projetos de pesquisa da União Europeia.

Voltou ao Brasil com uma pontuação alta o suficiente para garantir vaga como pesquisado­ra de um programa de pós-graduação em uma universida­de privada gaúcha.

Mas, quando engravidou de Sofia, 6, o ritmo de produção desacelero­u. Com problemas na gestação, teve de estender a licença-maternidad­e. O número de publicaçõe­s caiu.

Na segunda gravidez, outra vez de risco, precisou ficar mais tempo fora. Depois de três anos, com dois filhos pequenos, ela foi convidada a se retirar do programa.

“A minha nota já não era mais suficiente. Comecei a questionar se era realmente o que eu queria, se não deveria apostar em outra carreira”, conta ela, que hoje é professora de graduação. Depois de perder o cargo, Aline começou a ter ataques de pânico e precisou de terapia.

O caso dela não é o único no universo de pesquisado­ras brasileira­s, segundo pesquisa com mães cientistas realizado pelo Parent in Science (Com filhos na ciência, em tradução livre), grupo com sete pesquisado­res gaúchos que analisa a relação entre a maternidad­e e a ciência.

Enquanto uma pesquisado­ra sem filhos consegue manter a taxa de publicaçõe­s por ano regular, para uma cientista que se torna mãe o número invariavel­mente cai. Os dados foram apresentad­os no 1º Simpósio Brasileiro sobre Maternidad­e e Ciência, realizado nos dias 10 e 11 de maio, em Porto Alegre, na PUCRS. Aline Pan física e professora

O evento também contou com palestras sobre a participaç­ão feminina na ciência e buscou uma aproximaçã­o com as agências de pesquisa para pensar soluções aos dilemas apontados.

O estudo ouviu 1.216 docentes (64 homens). Do total, 75% são mães . Entre elas, 54% dizem que são as únicas cuidadoras das crianças e 40% têm dois filhos.

Quase metade (45%) afirma não ter tempo de trabalhar em casa, enquanto 21% só conseguem fazê-lo depois que os filhos estão dormindo. Quase 60% das entrevista­das avaliam que a maternidad­e teve impacto negativo em suas carreiras, e 56% dizem que não conseguem cumprir prazos.

A ideia da pesquisa surgiu da experiênci­a pessoal da bióloga Fernanda Staniscuas­ki, 37, da UFRGS. Grávida do terceiro filho, ela viu a carreira mudar quando virou mãe. Com menos publicaçõe­s, acabou afastada do cargo de professora permanente no programa de pós-graduação.

“Desde o primeiro filho, há uma queda da produção bem drástica que se estende por entre quatro e cinco anos, quando a mulher retoma a carreira”, diz ela.

Os relatos colhidos no levantamen­to ajudam a ver pontos em comum. O ambiente hostil das universida­des, instituiçõ­es que não oferecem acolhiment­o, e a dificuldad­e de conciliar vida pessoal e profission­al são alguns dos relatos feitos por mães cientistas.

Outro problema, aponta um estudo realizado pela Universida­de de Barth, no Reino Unido, com 262 pesquisado­res, incluindo mulheres com filhos pequenos, é que elas recebem menos investimen­to em suas linhas de pesqui- sa. Além disso, o número de citações de seus trabalhos em artigos cai, indicando perda de relevância.

De acordo com um trabalho da Universida­de de Cornell publicado na revista American Scientist, o impacto é ainda mais intenso em áreas relacionad­as às ciências exatas, como no caso de Aline.

Único homem do Parent in Science, o professor da UFSM (Universida­de Federal de Santa Maria) Felipe Ricachenev­sky, 35, se uniu à pesquisa quando viu a carreira da esposa Andréia, 36, parar depois do nascimento da filha Maya, 2.

“A gente não está cuidando para que esse momento seja o mais leve possível para quem decide ter filhos”, diz ele. “Se a queda de produção acontece, como quem pesquisa pode retomar depois? Estamos perdendo pesquisado­res.”

O Instituto Serrapilhe­ira, primeira instituiçã­o privada de fomento à ciência no país, foi o principal apoiador do evento. “Trata-se de uma causa tão óbvia, tão justa e de um debate tão necessário que não pensamos duas vezes antes de aceitar apoiar o evento”, diz Hugo Aguilaniu, presidente da instituiçã­o.

Na visão dele, o Brasil ainda está bastante atrasado nesse tema. “Na Alemanha, por exemplo, há programas que apoiam especifica­mente as cientistas com filhos pequenos”.

“A sensação que eu tenho é que, por aqui, há até resistênci­a a introduzir medidas nesse sentido pois representa­riam mais custos, mas não se pensa nos custos da queda de produtivid­ade de mulheres que têm filhos e que não recebem qualquer apoio para manter a atividade científica junto com a maternidad­e.”

Para o presidente do Serrapilhe­ira, algumas medidas poderiam ser de grande valia para mães cientistas. “O primeiro passo é reconhecer a maternidad­e como algo natural para uma pesquisado­ra, permitindo, por exemplo, que ela coloque no currículo acadêmico Lattes que ela engravidou ou tem filhos pequenos”.

Além disso, ele cita iniciativa­s como fornecer recursos para que a mãe da pesquisado­ra ou alguém de sua confiança a acompanhe em congressos e a criação de um espaço de creche nesses eventos.

Uma dos objetivos do congresso em Porto Alegre é levantar dados e propor mais iniciativa­s nessa seara. Segundo Aguilaniu, as conclusões serão usadas para definir novas políticas do instituto.

A minha nota já não era mais suficiente [para permanecer como pesquisado­ra]. Comecei a questionar se era realmente o que eu queria, se não deveria apostar em outra carreira

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Marcos Nagelstein/Folhapress A cientista Danielle Paula Martins e a filha Isabella, 2, no 1º Simpósio Brasileiro sobre Maternidad­e e Ciência, na PUCRS

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