Folha de S.Paulo

Dias caribenhos

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Há dois ou três meses, em São Sebastião das Três Orelhas, Minas Gerais, tomei uma cerveja de Taubaté chamada Los Días (sem acento, mas vou acentuar pra não criar caso com meu editor). Uma APA (american pale ale) deliciosa e, graças a Deus, pouco perfumada. (No mundo das cervejas artesanais, às vezes surgem uns rótulos tão perfumados que, quando os experiment­o, tenho a angustiant­e impressão de que meu alcoolismo se antecipou em duas décadas e já estou mamando escondido o J’adore Dior da minha mulher.)

Deliciosa e pouco perfumada, dizia, mas gostei mesmo foi do nome, Los Días, impresso em preto contra um fundo rosa na garrafa baixa e bojuda de 600 ml. Los Días, Los Días, murmurava loucomansa­mente... e los días passavam na minha imaginação —cortados por ventos como toda aventura. Areia branca e mar verde-esmeralda. Ruas estreitas com bares escondidos. Mescal e rum. Trompetes e tambores. Lua de osso e estrelas encharcada­s.

Nunca pensei que fosse me apaixonar por uma camisa.

Conhecer nuestros hermanos e falar mal do Brasil. Sentir saudade de Luiz Gonzaga e cantar baixinho a letra de Zé Dantas: “pra ver o meu brejinho, fazer uma caçada, ver as pegá de boi, andar nas vaquejada, dormir ao som do chocalho e acordar com a passarada, sem rádio e sem notícia das terra civilizada”. Passar o resto da viagem com “Riacho do Navio” na cabeça.

À tarde, no hotel, deixar entreabert­a a porta do balcão. Uma jarra de água. A toalha de banho. A delícia de entrar no chuveiro sem culpa. Reler um poema de García Lorca antes de encarar algum romance contemporâ­neo sobre a dificuldad­e de se construir um relacionam­ento holisticam­ente verdadeiro numa coletivida­de pátria manipulada por gênios da psicologia pet em novas redes uber-sociais canceruman­as. Cuma?

— Super cápsula pré-maturada, com descabelam­ento à direita —diria o personagem de Mario Monicelli.

Fecho o livro e ponho a mão na coxa quente da minha mulher. Ouço os ruídos da cidade lá fora. E deixo que a brisa caribenha traga tudo o que vive perto de mim pra junto do fogo.

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