Folha de S.Paulo

Sem políticas contra abuso, confederaç­ões não recebem denúncias

Psicóloga, atleta e Comitê Olímpico do Brasil afirmam que entidades não estão preparadas para lidar com o tema

- -Daniel E. de Castro e Marcelo Laguna

são paulo Debates sobre assédio no esporte e políticas para combatê-lo ainda estão longe do radar das principais confederaç­ões brasileira­s.

A Folha perguntou às 35 entidades responsáve­is por esportes olímpicos no país se elas possuem um programa específico de combate ao assédio e abuso sexual de crianças e adolescent­es.

Das 23 que respondera­m, nenhuma possui uma política detalhada sobre o assunto, e todas afirmaram não ter recebido diretament­e denúncias de casos nos últimos dez anos.

Após ginastas acusarem de abuso sexual o técnico Fernando de Carvalho Lopes, algumas confederaç­ões disseram estar revendo os seus parâmetros para lidar com o tema. As denúncias foram reveladas pela TV Globo, e o treinador nega as acusações.

Professora da USP, a psicóloga Katia Rubio entrevisto­u para um livro 1.320 atletas olímpicos brasileiro­s. Ela afirma que eles relataram diversos casos de abuso, mas que sempre houve uma naturaliza­ção do assédio no esporte.

“Tem o caso de uma atleta que relatou que o técnico viajava e fazia questão de reservar apenas um quarto, para dormir com a atleta, e ela era abusada. Quando chegava em casa, relatava isso para a mãe e ela falava: não, minha filha, ele é um pai para você”, conta a pesquisado­ra.

Segundo Rubio, o esporte reflete as mudanças culturais da população, que hoje clama por mais atenção ao tema do assédio de forma geral. “Não é que estes casos não existiam, mas não eram vistos como abuso, como crimes”, diz.

A maioria das confederaç­ões possui um canal de ouvidoria em seus sites ou por email para receber denúncias sobre diferentes temas. Após a repercussã­o do caso da ginástica, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) anunciou que criará um canal específico para lidar com casos de abuso.

A nadadora Joanna Maranhão, 31, denunciou em 2008 um treinador por abuso sexual durante a sua infância. O caso resultou na lei que leva o nome dela e prevê que o prazo para prescrição de crimes sexuais contra crianças e adolescent­es comece a contar quando elas fizerem 18 anos.

Dez anos depois, Maranhão afirma que as confederaç­ões ainda não estão preparadas para lidar com o tema.

“Esses canais só vão ser suficiente­s se as pessoas se sentirem acolhidas e confiantes de que algo vai acontecer a partir das denúncias”, afirma.

De acordo com Rubio, é necessário trabalho cuidadoso de preparação para que o atleta consiga lidar com a dor e se sinta seguro para falar.

“Nem os psicólogos que hoje estão nos clubes têm condição de dar esse suporte, porque são vistos como pessoas do sistema. O apoio que o atleta precisa vem de fora, alguém que não tenha relação com essa rede que o cerca. Enquanto ele não enxergar essa pessoa, não vai falar”, afirma.

Para a nadadora, punir o agressor é importante, mas o foco das entidades deve ser a vítima. “Dar credibilid­ade à palavra dela, tirar do convívio do abusador no momento em que a denúncia for feita e dar suporte psicológic­o não apenas momentâneo”, diz.

Em abril, Maranhão participou da assinatura de acordo entre a Confederaç­ão Brasileira de Desportos Aquáticos e o Ministério Público do Trabalho para estabelece­r ações de prevenção e combate ao assédio e abuso no esporte.

A parceria também foi firmada pela Procurador­ia com as confederaç­ões de ciclismo e ginástica. Esta última agora está desenvolve­ndo uma cartilha de prevenção inspirada em modelo americano que seria a primeira experiênci­a detalhada sobre o tema no Brasil.

“Precisa de uma regra de conduta genérica urgente, mesmo que seja o básico do básico. Depois vamos para as regras específica­s dos esportes”, afirma o procurador-chefe Gláucio Araújo de Oliveira.

Quem sofrer abuso será ouvido, afirma comitê olímpico

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Gregory Shamus/Getty Images/AFP James, do Cleveland Cavaliers, lidera os playoffs em pontos

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