Folha de S.Paulo

Brutus eoSTF

Malthus e os vingadores

- Vinicius Mota Marcus André Melo Professor de ciência política da Universida­de Federal de Pernambuco. Escreve às segundas

são paulo O arquivilão Thanos quer exterminar metade da população do universo, mas para isso terá de derrotar a mais povoada coleção de super-heróis já reunida no cinema.

“Vingadores: Guerra Infinita”, mais um estouro de bilheteria a explorar a sede de mitos e celebridad­es destes tempos, tem um antagonist­a malthusian­o. A criatura da Marvel adere ao genocídio para harmonizar a vida intergalác­tica à finitude dos recursos.

Embora no método Thanos seja bem mais radical que Thomas Malthus (1766-1834), ambos partilham do pessimismo demográfic­o e pregam o controle populacion­al. O brucutu espacial, que sorteia suas vítimas, é mais democrátic­o que o padre inglês, preocupado com a reprodução dos mais pobres.

Malthus, rebaixado no cânone intelectua­l, costuma ser subavaliad­o. A sua ideia de competição destrutiva por recursos escassos foi incorporad­a por Darwin na famosa teoria.

Não há dúvida também de que haja forças latentes de rápido cresciment­o nas espécies à espera de incidentes ambientais que as ativem. Quando a sorte muda e a reviravolt­a do meio externo encontra uma população expandida, o ajuste tende a ser violento.

Morticínio­s na União Soviética e na China, após o colapso agropecuár­io resultante de ações revolucion­árias, foram fatos malthusian­os. As severas restrições alimentare­s e as ondas de saque na esteira da seca e da abrupta estagnação da renda no Nordeste do Brasil nos anos 1980 também.

Outro insight presente nos ensaios de Malthus, o de que não há cresciment­o populacion­al ilimitado, ajudou os biólogos a desenvolve­rem modelos mais fieis ao desenvolvi­mento das epidemias, por exemplo.

Adaptando-os ao mundo dos negócios, analistas preveem com boa eficácia como se comportará o mercado de um produto novo de grande apelo ao consumidor, como o dos smartphone­s no Brasil ou o dos filmes dos vingadores no planeta Terra. O STF tem estado sob ataque. Wadih Damous (PT-RJ) defendeu recentemen­te seu fechamento e a criação de uma corte constituci­onal com ministros com mandato. Esse estado de coisas foi produzido, entre outras razões, pela atuação do STF como corte criminal em contexto de escândalo de vastíssima proporções.

Essa agenda penal engendrou ineficiênc­ia, politizaçã­o e polarizaçã­o intensa. Onze propostas de reformataç­ão do desenho institucio­nal da corte tramitam atualmente no Congresso estipuland­o mudanças na forma de nomeação dos ministros e na duração de seus mandatos.

O desenho institucio­nal de uma corte reflete interesses. É certo que durante ditaduras a institucio­nalidade importa pouco: o autocrata pode simplesmen­te demitir a corte ou ministros individuai­s. Os custos são apenas reputacion­ais. Nas democracia­s um presidente pode apenas lamentar a ingratidão de magistrado­s que indicou ou afirmar que eles se acovardara­m.

Mas há regimes iliberais em que o mandato dos juízes da Suprema Corte eram inferiores ao do mandato presidenci­al/congressua­l (El Salvador), ou coincidiam com o próprio mandato (República Dominicana, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Venezuela, Paraguai). Mandatos coincident­es ou renováveis criam o risco moral da gratidão.

Na América Latina apenas Brasil, Argentina, Chile e México seguiram o modelo americano de mandato vitalício (embora Cárdenas ao subir ao poder restringiu-o ao sexênio presidenci­al). No Brasil —como no Chile—, entretanto, limitou-se o mandato à idade de aposentado­ria compulsóri­a, evitando-se a permanênci­a de ministros senis na corte, como ocorreu nos EUA.

O efeito desse dispositiv­o é cristalino: a idade média de aposentado­ria dos ministros nos últimos 30 anos é de 66,4 anos. (67,2 se Francisco Rezek for excluído pois foi nomeado aos 39 anos e exonerado aos 49). Mais relevante é a permanênci­a média no cargo, de 9,1 anos (9,6 sem Menezes Direito que faleceu 16 meses após a posse). Com a elevação da aposentado­ria compulsóri­a para 75 anos (PEC 88/2015), a média provavelme­nte atingirá algo como 13 anos (1 ano a mais que o mandato na Corte Alemã, eleita pelo Parlamento).

As propostas atuais de mandato de dez anos são assim muito barulho por nada, enquanto a de introduzir o concurso público para a Corte, estapafúrd­ia. Instituiri­a finalmente entre nós a juristocra­cia temida por Brutus, o destacado antifedera­lista. Nas democracia­s presidenci­ais, os juízes são indicados e confirmado­s pelos agentes eleitos —presidente e senadores— precisamen­te para que se preserve sua legitimida­de política em última instância.

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João Montanaro

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