Brutus eoSTF
Malthus e os vingadores
são paulo O arquivilão Thanos quer exterminar metade da população do universo, mas para isso terá de derrotar a mais povoada coleção de super-heróis já reunida no cinema.
“Vingadores: Guerra Infinita”, mais um estouro de bilheteria a explorar a sede de mitos e celebridades destes tempos, tem um antagonista malthusiano. A criatura da Marvel adere ao genocídio para harmonizar a vida intergaláctica à finitude dos recursos.
Embora no método Thanos seja bem mais radical que Thomas Malthus (1766-1834), ambos partilham do pessimismo demográfico e pregam o controle populacional. O brucutu espacial, que sorteia suas vítimas, é mais democrático que o padre inglês, preocupado com a reprodução dos mais pobres.
Malthus, rebaixado no cânone intelectual, costuma ser subavaliado. A sua ideia de competição destrutiva por recursos escassos foi incorporada por Darwin na famosa teoria.
Não há dúvida também de que haja forças latentes de rápido crescimento nas espécies à espera de incidentes ambientais que as ativem. Quando a sorte muda e a reviravolta do meio externo encontra uma população expandida, o ajuste tende a ser violento.
Morticínios na União Soviética e na China, após o colapso agropecuário resultante de ações revolucionárias, foram fatos malthusianos. As severas restrições alimentares e as ondas de saque na esteira da seca e da abrupta estagnação da renda no Nordeste do Brasil nos anos 1980 também.
Outro insight presente nos ensaios de Malthus, o de que não há crescimento populacional ilimitado, ajudou os biólogos a desenvolverem modelos mais fieis ao desenvolvimento das epidemias, por exemplo.
Adaptando-os ao mundo dos negócios, analistas preveem com boa eficácia como se comportará o mercado de um produto novo de grande apelo ao consumidor, como o dos smartphones no Brasil ou o dos filmes dos vingadores no planeta Terra. O STF tem estado sob ataque. Wadih Damous (PT-RJ) defendeu recentemente seu fechamento e a criação de uma corte constitucional com ministros com mandato. Esse estado de coisas foi produzido, entre outras razões, pela atuação do STF como corte criminal em contexto de escândalo de vastíssima proporções.
Essa agenda penal engendrou ineficiência, politização e polarização intensa. Onze propostas de reformatação do desenho institucional da corte tramitam atualmente no Congresso estipulando mudanças na forma de nomeação dos ministros e na duração de seus mandatos.
O desenho institucional de uma corte reflete interesses. É certo que durante ditaduras a institucionalidade importa pouco: o autocrata pode simplesmente demitir a corte ou ministros individuais. Os custos são apenas reputacionais. Nas democracias um presidente pode apenas lamentar a ingratidão de magistrados que indicou ou afirmar que eles se acovardaram.
Mas há regimes iliberais em que o mandato dos juízes da Suprema Corte eram inferiores ao do mandato presidencial/congressual (El Salvador), ou coincidiam com o próprio mandato (República Dominicana, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Venezuela, Paraguai). Mandatos coincidentes ou renováveis criam o risco moral da gratidão.
Na América Latina apenas Brasil, Argentina, Chile e México seguiram o modelo americano de mandato vitalício (embora Cárdenas ao subir ao poder restringiu-o ao sexênio presidencial). No Brasil —como no Chile—, entretanto, limitou-se o mandato à idade de aposentadoria compulsória, evitando-se a permanência de ministros senis na corte, como ocorreu nos EUA.
O efeito desse dispositivo é cristalino: a idade média de aposentadoria dos ministros nos últimos 30 anos é de 66,4 anos. (67,2 se Francisco Rezek for excluído pois foi nomeado aos 39 anos e exonerado aos 49). Mais relevante é a permanência média no cargo, de 9,1 anos (9,6 sem Menezes Direito que faleceu 16 meses após a posse). Com a elevação da aposentadoria compulsória para 75 anos (PEC 88/2015), a média provavelmente atingirá algo como 13 anos (1 ano a mais que o mandato na Corte Alemã, eleita pelo Parlamento).
As propostas atuais de mandato de dez anos são assim muito barulho por nada, enquanto a de introduzir o concurso público para a Corte, estapafúrdia. Instituiria finalmente entre nós a juristocracia temida por Brutus, o destacado antifederalista. Nas democracias presidenciais, os juízes são indicados e confirmados pelos agentes eleitos —presidente e senadores— precisamente para que se preserve sua legitimidade política em última instância.