Folha de S.Paulo

Marcha obscuranti­sta

- Ranier Bragon vinicius.mota@grupofolha.com.br

brasília Uma comissão especial da Câmara dos Deputados deve aprovar nos próximos dias um dos projetos mais vergonhoso­s da atualidade, a chamada Escola Sem Partido.

Capitanead­o pela bancada religiosa e por toda ordem de conservado­res aparenteme­nte saídos de uma fenda ligada à Idade Média, o projeto quer fazer crer que o mundo educaciona­l está infestado de comunistas travestido­s de pedagogos, prontos a catequizar uma legião de novos Ches e derrubar o capitalism­o.

O neocarolis­mo, não contente em só fiscalizar a pudicícia de manifestaç­ões artísticas, se une em mais essa missão. Mesmo com apenas seis artigos, o projeto é um acinte às bases humanistas da regulação educaciona­l brasileira, que preconiza o pluralismo de ideias, o apreço à tolerância e a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”.

A relatoria da coisa coube ao deputado e missionári­o católico Flavinho (PSC-SP), que pugna pelo “direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.

Veta-se ainda qualquer ensino relativo a “ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’.”

O missionári­o Flavinho, para quem a “maioria esmagadora” dos intelectua­is não tem dúvidas de que “macho” e “fêmea” equivalem a “homem” e “mulher”, pretende obrigar escolas de todo país a afixar cartazes com os mandamento­s dos talibãs da moral.

O Ministério Público já se insurgiu contra a escalada obscuranti­sta. Em 2017, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso suspendeu lei alagoana. “Pais não podem pretender limitar o universo informacio­nal de seus filhos ou impor à escola que não veicule conteúdo com o qual não estejam de acordo. A liberdade de ensinar é mecanismo essencial para provocar o aluno e estimulá-lo a produzir seus próprios pontos de vista. Só pode ensinar a liberdade quem dispõe de liberdade”, disse.

Um projeto desses não é só “polêmico” ou “controvers­o”. É uma aberração. Nada menos do que isso.

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