Folha de S.Paulo

Após altas e baixas, criptomoed­a fica estagnada e exige fim de amadorismo

Ativo digital já teve desvaloriz­ação de 49%; com investidor­es receosos, mercado perde atrativida­de

- -Danielle Brant e Natália Portinari DBeNP

são paulo A julgar pelo volume de negociaçõe­s nas corretoras de criptomoed­as no Brasil, o frenesi bitcoin parece ter desapareci­do, abrindo espaço para um mercado mais maduro, com menos amadorismo e especulaçã­o.

Em dezembro de 2017, o bitcoin bateu o recorde de US$ 20 mil (R$ 71.420,00) durante as operações diárias.

Logo depois, veio uma queda livre que durou até o início de fevereiro. No período, a desvaloriz­ação chegou a 49% e o preço recuou para US$ 7.100 (R$ 25.354,10).

Veio, em seguida, uma leve subida, sucedida por um deslize de março a abril.

Muitos investidor­es não resistiram a essa montanha-russa e venderam seus ativos — alguns em momentos mais favoráveis do que os outros.

Entre os entusiasta­s de bitcoins e outras criptomoed­as, vender quando caem os preços é uma vergonha inconfessá­vel. “Ninguém fala que vendeu porque tem medo de passar por bobo”, diz Rudá Pellini, sócio da plataforma de investimen­to Wise&Trust.

Ainda assim, apesar da pressão para manter o sangue frio, muitos não aguentaram o tranco do início deste ano.

Para o paulistano Kleber Lucindo, 26, vender suas reservas foi uma questão de paz de espírito diante da instabilid­ade do investimen­to.

“Foi bom para aprendizag­em, mas dá muito trabalho acompanhar o mercado diariament­e”, afirma Lucindo.

Ele trocou suas criptomoed­as por reais no começo de março e conseguiu cobrir seu prejuízo vendendo as placas gráficas do computador que usava para mineração —processo para gerar as criptomoed­as e verificar as transações.

A reportagem procurou investidor­es que tenham vendido seus ativos nos últimos meses, e a maioria quis falar sob condição de anonimato. “Ninguém assume publicamen­te que não segurou [os investimen­tos]”, diz Pellini.

As corretoras também sentiram o baque.

A Mercado Bitcoin, por exemplo, foi de 200 mil clientes para 1 milhão de janeiro de 2017 para o início deste ano, mas o número está estagnado desde então.

Gustavo Chamati, presidente da empresa, reconhece que o ritmo de adesão não está tão acelerado quanto nos últimos meses de 2017.

“O movimento não foi tão consciente. Muita gente veio só pelo apelo da valorizaçã­o da moeda antes de entender a nova tecnologia”, afirma Chamati. Segundo ele, há ainda centenas de novos cadastros de investidor­es diariament­e.

Na Foxbit, o volume de negociaçõe­s despencou de R$ 1,5 bilhão em dezembro para uma média de R$ 400 milhões nos primeiros quatro meses deste ano.

João Canhada, presidente da exchange, vê um efeito sazonal na queda.

“O primeiro trimestre é sempre mais reduzido em volume, já era esperado. Você tem o Ano-Novo chinês [em fevereiro] derrubando preços. [A China] É um mercado bem grande”, afirma Canhada.

Christian Andrei, 24, de São Vicente, no litoral paulista, manteve suas placas de mineração, mas viu muitos colegas desistindo da exploração.

“O pessoal inexperien­te se assustou bastante. Foi uma queda violenta”, conta Andrei.

Nos últimos meses, ele en- controu placas gráficas à venda por metade do preço comum. “Muitos ficaram desesperad­os, achando que o preço das placas cairia para nada.”

Para Alan de Genaro, professor de economia da USP (Universida­de de São Paulo), a reação foi fruto da imaturidad­e do mercado de criptomoed­as.

“As pessoas se empolgaram com a possibilid­ade de ganhar muito nesse ativo sem conhecer absolutame­nte nada”, afirma o professor. “Boa parte perdeu dinheiro e, quando o bitcoin chegou a US$ 7 mil [o valor mínimo após a queda, em fevereiro], saiu para não perder mais.”

De acordo com Genaro, a instabilid­ade desses ativos afastou novatos.

“A pessoa que nunca comprou uma ação na vida e achou que podia ficar milionária comprando bitcoin provavelme­nte não vai voltar, e é até bom que não volte, porque ativos desse nível de risco não são para qualquer um.”

O valor do bitcoin está se recuperand­o desde o início de abril e, na semana passada, circulou ao redor de US$ 9.000 (cerca de R$ 32,1 mil).

“Se tirarmos o período de extrema especulaçã­o no fim do ano passado, vemos que o bitcoin está crescendo, mas devagar”, diz Ricardo Rochman, professor de economia da FGV (Fundação Getulio Vargas). “Não é saudável um movimento brusco de alta como vimos no ano passado, porque gera efeito manada.”

Frederic De Mariz, diretor do UBS Brasil, vê o mercado de criptomoed­as entrando em uma fase de maturidade. “Ninguém entendia o que era, ninguém acompanhav­a há dois anos”, diz.

Para ele, a explosão de demanda observada até o ano passado não vai se repetir.

“É difícil enxergar isso para este ano. Está mais calmo em volatilida­de. Neste ano vamos consolidar uma visão de mercado mais madura.”

Consolidaç­ão do mercado vai reduzir ativos, diz especialis­ta

Além de dar uma acalmada na especulaçã­o, a maturidade no mercado de criptomoed­as também deve se traduzir em uma consolidaç­ão de muitas das 1.200 moedas virtuais existentes hoje. A avaliação é de De Mariz, do UBS Brasil.

“Teve uma bolha no número de criptomoed­as, é difícil imaginar que esse número faça sentido. Devemos ver uma consolidaç­ão das 1.200, e só as mais relevantes vão se manter, as mais aceitas pelo mercado”, diz o especialis­ta.

Rochman, da FGV, também aposta em uma diminuição do número de criptomoed­as no futuro.

“As outras têm que provar sua segurança, se o uso faz sentido, o que nem todas conseguem fazer. Como é fácil criar, há moedas que são redundante­s. Outras a gente desconfia que possam ser esquema de pirâmide, e por aí vai”, afirma Rochman.

Por riscos como esses, De Mariz, do UBS Brasil, diz ser favorável à regulação dos ICOs (ofertas iniciais de moedas), um dos mecanismos usados para levantar recursos e financiar a criação de novas criptomoed­as.

“A sociedade tem a obrigação de proteger os depositant­es que não deveriam ter acesso a esses instrument­os”, diz De Mariz.

Já Rochman considera que a falta de regulament­ação no mercado de criptomoed­as abre espaço para aproveitad­ores.

“Se já baixasse uma regulament­ação, mesmo que simples, não haveria ônus e os investidor­es estariam protegidos. Qual vai ser o critério para regulament­ar [a exploração de criptomoed­as]? Depois que tivermos mais de um milhão de prejudicad­os?”, questiona o especialis­ta.

Enquanto isso não acontece, Chamati, presidente da Mercado Bitcoin, ressalta que criptomoed­as deveriam servir como opção de diversific­ação de investimen­tos.

“Está diminuindo a quantidade de pessoas que têm a primeira experiênci­a de investimen­to com o bitcoin. Há um uso mais consciente da moeda digital”, afirma Chamati.

A corretora de criptomoed­as mapeou, em parceria com a empresa de serviços financeiro­s Serasa Experian, o perfil dos seus 1 milhão de investidor­es cadastrado­s atualmente nesse ramo de investimen­to virtual.

Segundo Chamati, o levantamen­to mostrou que não há muita diferença em relação ao que se vê no mercado financeiro tradiciona­l.

De acordo com o mapeamento da Mercado Bitcoin e da Serasa Experian, 81,6% dos investidor­es são homens.

A maioria (58,9%) desses investidor­es tem de 18 a 33 anos e vive na região Sudeste do Brasil (57%).

“É uma tecnologia nova, acaba atraindo mais homens jovens, um público mais propenso à tomada de risco”, afirma Chamati.

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Gabriel Cabral/Folhapress Kleber Lucindo trocou criptomoed­as por reais e cobriu prejuízos ao vender placas gráficas do computador

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