Monóxido de carbono de carros sem chave mata 28 nos EUA
Autoridades americanas alertam para riscos, mas montadoras resistem a ajustes
nova york Em uma manhã de 2017, Fred Schaub estacionou seu Toyota RAV4 na garagem anexa à sua casa na Flórida, nos Estados Unidos, e entrou no imóvel carregando a “chave de presença” —necessária para dar partida em carros com sistema de ignição sem chave—, acreditando que o veículo estava desligado.
Quase 30 horas depois, ele foi encontrado morto, asfixiado pelo monóxido de carbono que invadiu a casa enquanto dormia. O nível do gás era pelo menos 30 vezes o tolerável por humanos.
“Depois de 75 anos dirigindo, meu pai pensou que, quando ele levasse a chave com ele, o veículo estaria desligado”, disse seu filho Doug Schaub.
Fred está entre as mais de 24 pessoas mortas por monóxido de carbono nos EUA desde 2006 após esquecerem ligados na garagem veículos de ignição sem chave, conhecidos como start/stop. Dezenas de outras pessoas ficaram com sequelas, algumas com danos cerebrais.
A ignição sem chave é o padrão em mais da metade dos 17 milhões de novos veículos vendidos por ano nos EUA, segundo o site Edmunds.
No lugar de uma chave física, os motoristas usam uma “chave de presença” que transmite sinal de rádio. Enquanto esse equipamento estiver no carro, ele pode ser iniciado ao toque de um botão.
O número exato de mortes relacionadas ao monóxido de carbono desses veículos deixados em funcionamento é desconhecido, já que nenhuma agência federal mantém registros abrangentes.
Até 2016, a Administração Nacional de Segurança no Tráfego Rodoviário americana (NHTSA) investigou quatro incidentes fatais.
De notícias, processos, registros policiais e de incêndio e incidentes rastreados por grupos de defesa, o New York Times identificou 28 mortes e 45 feridos desde 2006, mas os números podem ser maiores.
O conselho da NHTSA alertou fabricantes de automóveis em 2002 que as ignições sem chave seriam propensas a falhas por erro humano. Em 2006, a agência atualizou seu regulamento para afirmar que “um aviso deve ser suficiente para chamar a atenção de um motorista antes que ele saia do veículo sem as chaves”.
Duas semanas depois, um casal de idosos morreu na Flórida asfixiado, após deixar seu Toyota Avalon ligado na garagem.
Há sete anos, a Society of Automotive Engineers (Sociedade de Engenheiros Automotivos) solicitou que recursos, como bipes sonoros e luzes de advertência, alertassem os motoristas de que os carros ainda estavam funcionando e que, em alguns casos, os motores fossem desligados automaticamente.
A NHTSA propôs uma regulamentação federal baseada nessa ideia. As conformidades custariam à indústria automobilística menos de US$ 500 mil (R$ 1.785.500,00) por ano na codificação de um software, informou o órgão.
Os fabricantes do setor se opuseram à proposta, e a agência deixou o plano de lado, apesar de afirmar que uma regra ainda é considerada. Em um comunicado em março, disse que estava avaliando comentários sobre a regra proposta e os dados de mortes e ferimentos por monóxido de carbono.
Por enquanto, reguladores dizem que estão confiando que fabricantes incorporem voluntariamente os recursos de alerta. Mas medidas de segurança têm sido motivo de discórdia entre as montadoras, às vezes até internamente.
A Toyota, por exemplo, tem um sistema de três sinais sonoros fora do carro e um dentro, para alertar motoristas que saem do veículo com o motor ainda operando.
Mas, quando seus engenheiros apontaram que sinais de alerta mais eficazes eram necessários —como luzes piscando—, a empresa rejeitou a recomendação, segundo depoimentos em um processo de morte por negligência.
Os modelos da Toyota figuraram em quase metade das mortes e dos ferimentos por monóxido de carbono identificados pelo jornal. A Toyota diz que seu sistema de ignição sem chave “atende ou excede a todos os padrões de segurança federais relevantes”.
Os veículos sem chave da Ford agora têm um recurso que desliga automaticamente o motor após 30 minutos de marcha lenta se a chave não estiver no veículo.
Carros mais antigos, no entanto, não foram adaptados para reduzir os riscos, apesar do custo baixo. A General Motors gastou US$ 5 (R$ 17,86) por carro para instalar o desligamento automático em um recall de 2015, de acordo com relatório da empresa.
Pode ser difícil, porém, determinar com precisão quais medidas as montadoras adotaram por conta própria, mesmo quando elas são questionadas diretamente.
“Você não pode confiar em corporações automobilísticas para se policiarem”, disse John Uustal, advogado em dois casos de ignição sem chave na Flórida. “Não há punição adequada.”
Enquanto isso, em uma sociedade com cada vez mais idosos, o risco provavelmente será agravado. “Meu pai não vai ser o último a morrer por esse motivo”, disse Doug Schaub.