FOLHA POR FOLHA Clima nas ruas da Venezuela muda, constata reportagem
caracas Estive na Venezuela três vezes nos últimos meses. O clima das ruas vem mudando. Na eleição da Assembleia Constituinte, em julho, a violência estava presente e meses de enfrentamento entre manifestantes e as forças de segurança acabariam causando mais de 130 mortes.
Andar pelas ruas era perigoso. Eu me movimento apenas de moto, como muitos, pois os carros não atravessam possíveis trincheiras armadas pela população, e também porque é mais fácil de escapar caso surja a polícia ou os “coletivos” (milícias pró-regime).
Na vez seguinte, quando fui cobrir as eleições regionais, em outubro, foi triste constatar que o cansaço e o medo da repressão estava calando as pessoas que vinham protestando contra a ditadura de Nicolás Maduro.
Nesta terceira vez, a apatia política era ainda maior, pois a carência de alimentos, remédios e até de bilhetes de bolívar (a moeda local) está muito mais grave. A busca pelo essencial deixou o ímpeto de reivindicar num segundo plano.
Numa visita ao bairro popular do Petare, vi um grupo de vizinhos debater com que dinheiro tirariam do necrotério o corpo de uma amiga, já morta havia cinco dias.
Por outro lado, sempre vejo solidariedade entre pessoas que, mesmo em dificuldades, querem ajudar as outras.
Por mais que amigos e parentes se preocupem quando digo que vou a Caracas, eu insisto em responder que é sempre um prazer, mesmo nesses tempos difíceis. Porque aprendo com a valentia do povo venezuelano, me divirto com essa mania de que estranhos te abordem na rua para conversar, gosto de ouvir seu particular sotaque local e sentir-me abraçada pelo bom humor caribenho. E, obviamente, de ter a oportunidade de voltar a admirar o imponente El Ávila e as obras dos artistas cinéticos espalhadas pela cidade.