Folha de S.Paulo

O que é populismo?

Como bons brasileiro­s, estamos sempre à espera de um milagre, de bilhete premiado

- Joel Pinheiro da Fonseca Mestre em filosofia pela USP e economista do Insper DST Q S S Elio Gaspari, Janio de Freitas | Celso Rocha de Barros | Joel Pinheiro da Fonseca | | Janio de Freitas | Reinaldo Azevedo | Demétrio Magnoli

Virou clichê acusar o político de que a gente não gosta de ser “populista”. Se discorda de mim, que estou do lado dos fatos, é populista. Para evitar isso, procuro usar uma definição mais clara.

Considero populista o político que tem pelo menos uma dessas duas caracterís­ticas, que costumam andar juntas: ele pratica a estratégia da divisão social, colocando de um lado o povo puro (seu eleitorado), e, do outro, uma minoria (em geral, uma elite)

Q imoral ou corrupta.

Aqui pouco importa o conteúdo desse discurso: pode ser o povo trabalhado­r contra a elite do capital financeiro que o explora, ou os cidadãos de bem contra a elite progressis­ta que quer corrompê-los. Em ambos os casos, o tipo de discurso é o mesmo, ainda que seja usado para defender políticas opostas.

Em vez de uma visão positiva de um bem comum ou de um objetivo nacional que nos leva a olhar para a frente, temos o ódio contra algum inimigo interno.

O segundo elemento, que em geral acompanha o primeiro, é negar que a realidade imponha limites ao que a política pode fazer. No caso do Brasil, negar a gravidade da crise fiscal do Estado brasileiro e minimizar as dificuldad­es para nosso cresciment­o acelerado.

Como bons brasileiro­s, estamos sempre à espera de um milagre, de um bilhete premiado que nos livre da necessidad­e de sacrifício­s e escolhas difíceis. O populista já tem o remédio no bolso: propostas simples para resolver nossos problemas (ou ainda mostrar que eles não existem) sem que ninguém saia prejudicad­o, exceto talvez uma minúscula minoria de privilegia­dos.

Uns insistem que não existe déficit da Previdênci­a; como se mudar definições mudasse a realidade. Outros prometem que aumentos de gasto público levam a um aumento da arrecadaçã­o. Ou ainda que nosso problema fiscal pode ser

Elio Gaspari resolvido simplesmen­te com novos impostos sobre ricaços, passando longe de todo mundo que se vê como classe média.

Se isso não bastar, prometem a auditoria da dívida pública, que é uma roupagem legalista para o calote. Por fim, para fazer o Brasil crescer, não precisa se preocupar com os fundamento­s da economia: basta baixar os juros na marra; ou o câmbio.

Se as soluções para o Brasil são simples e indolores, por que elas não foram aplicadas? Porque os interesses escusos, puramente malignos, das elites falam mais alto.

Apenas o líder que representa os anseios virtuosos do povo conseguirá quebrar, por um ato de sua vontade, as forças do mal que mantêm o país no atraso.

Confiando na superiorid­ade pessoal dele, somos vendados e caminhamos confiantes para o abismo, ao mesmo tempo em que os vínculos sociais que nos unem uns aos outros são destruídos para garantir seu poder.

A política de massas nunca será o campo para argumentaç­ão racional e de posições nuançadas. Ela trabalha com mensagens simples, valores e sentimento­s.

E esses sentimento­s podem apontar para destinos muito diferentes: o desejo de abrir mão de qualquer responsabi­lidade e jogar o trabalho a deus-dará; o medo reativo contra algum inimigo imaginário; a disposição de construir um futuro melhor. 2018 é um ano crucial para o Brasil: dentre as muitas opções ainda colocadas na mesa, a principal escolha é entre o populismo (à esquerda ou à direita) e a responsabi­lidade.

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