Folha de S.Paulo

Jarbas Valente Satélite já em órbita e sem uso dá prejuízo de R$ 800 mil por dia

Segundo presidente da Telebras, interesse comercial de concorrent­es leva a uma ação judicial que deixa equipament­o fora de operação

- -Natália Portinari

são paulo Lançado em maio de 2017, o satélite de telecomuni­cações estatal SGDC é alvo de uma disputa que paralisa o programa Internet para Todos, do governo federal, e põe em risco um investimen­to público de R$ 2,8 bilhões.

O problema começou com um leilão, em outubro do ano passado, para eleger a empresa que se associaria à estatal para distribuir a banda larga do satélite. Nenhuma empresa privada compareceu.

Quando, em fevereiro, o grupo americano Viasat fechou um contrato diretament­e com a Telebras, a concorrent­e Via Direta, também interessad­a no SGDC, questionou se a parceria estaria de acordo com a Lei das Estatais. O caso está em análise no STF(Supremo Tribunal Federal).

Para o presidente da Telebras, Jarbas Valente, a Justiça tem dificuldad­es de entender o assunto, que é muito técnico, e as empresas que questionam a parceria são movidas por interesse comercial.

Como se explica a oposição ao contrato com a Viasat?

Entendemos como uma questão comercial. A Telebras não pode atuar diretament­e no mercado de banda larga, estamos proibidos pelo decreto que recriou a empresa. Com essa parceria, trouxemos um novo parceiro ao mercado. As concorrent­es que não participar­am do chamamento [do leilão] no ano passado e depois participar­am da discussão privada com a Telebras [neste ano] talvez não esperassem esse desfecho.

Qual é a resposta ao argumento de que o contrato desrespeit­a a Lei das Estatais por não oferecer à Viasat as mesmas condições que estavam

Na realidade, é o contrário. A lei permite o afastament­o de licitação caso ninguém acuda ao chamamento, desde que mantidas as condições do edital [e quando a empresa está comerciali­zando produtos, serviços ou obras relacionad­os a seus objetos sociais, como

no chamamento público?

telecomuni­cações, no caso].

Um argumento é que deveríamos contratar três empresas, mas no chamamento já estava previsto que quem ganhasse o primeiro lote poderia levar também o segundo. Ou seja, estamos respeitand­o exatamente a Lei das Estatais.

Não há sentido em dizer que só a Viasat teve a oportunida­de de ficar com os dois lotes. As outras também tiveram e não levaram porque não fizeram as melhores propostas.

Outro ponto apontado pelos concorrent­es é que, por se tratar de uma empresa estrangeir­a, o acordo fere a soberania nacional. O edital [de 2017] também especifica­va que a empresa poderia ser estrangeir­a desde que abrisse firma no Brasil, o que foi feito pela Viasat. Diga-se de passagem, não há quase nenhuma empresa nesse setor com capital exclusivam­ente brasileiro exceto a própria Telebras.

Foi dito também que haveria risco de a empresa ter acesso à banda X [de uso militar], mas não tem nada disso. O Ministério da Defesa deu um parecer aprovando o negócio. A banda Ka [de uso civil] também será controlada exclusivam­ente pelo governo.

Por que a Telebras não divulga o conteúdo do contrato com a Viasat, como pediu a Justiça?

Como a Viasat é uma empresa aberta na Bolsa nos Estados Unidos, tem condições de confidenci­alidade que somos obrigados a cumprir. Mas nunca escondemos o contrato de nenhum órgão e jamais escondería­mos da Justiça. Antes de assinar a parceria, encaminham­os para o TCU a minuta do contrato e a documentaç­ão que comprovava por que a empresa foi escolhida ante as outras propostas. O processo está em análise.

O SGDC tem uma vida útil de 18 anos. Qual o prejuízo de ele estar em órbita sem uso?

O prejuízo diário de não uso do satélite é de R$ 800 mil por dia. Acumulado, está em torno de R$ 25 milhões. Se não conseguirm­os viabilizar a operação nos próximos cinco anos, chega a R$ 2,4 bilhões, que é praticamen­te o valor investido no satélite. Se o contrato vier a ser interrompi­do, será um prejuízo de R$ 100 milhões, teremos de devolver dinheiro do contrato que o ministério assinou com a Telebras, além das multas previstas.

Além disso, a sociedade deixará de ser atendida naquilo que ela precisa, já que o satélite foi projetado para levar a banda larga para o país no interior da Amazonas, do Pará, do Roraima, àqueles que hoje estão excluídos digitalmen­te.

Por que há resistênci­a da Justiça em dar continuida­de ao negócio? A parceria está suspensa desde março. É porque envolve uma questão técnica. Já na primeira instância foi deliberado de uma forma que não era a prevista pela Telebras [suspendend­o o acordo].

A cada decisão inovam. Antes tinha o problema da soberania nacional, depois dizem que a Telebras entregou toda a banda Ka, daqui a pouco vem outra questão. As empresas têm um suporte forte junto à Justiça vendendo sua visão, mas nós confiamos absolutame­nte na Justiça.

As restrições orçamentár­ias do MCTIC [pasta das telecomuni­cações] impactam a operação da Telebras? É algo de que o ministro [Gilberto] Kassab vem se queixando bastante. Sim, tanto que o investimen­to de instalação e manutenção de equipament­os no chamamento público era da ordem de R$ 900 milhões. Na situação que o país vive, não vamos disponibil­izar esse dinheiro. A Viasat é que deve entrar com esse investimen­to inicial.

A Telebras não começou com uma restrição injusta, de não poder entregar diretament­e a banda larga?

É interessan­te essa pergunta. A Telebras foi desestatiz­ada em 1998, e o governo saiu integralme­nte do mercado de telecomuni­cações. Ao longo do tempo, porém, houve lacunas de atendiment­o às necessidad­es básicas da população, especialme­nte na banda larga, então a Telebras foi recriada para atender o mercado de governo [hospitais, escolas].

Por que o governo não simplesmen­te contratou a banda larga de satélites privados de outras empresas?

Os satélites privados que atendem o Brasil só cobrem áreas que dão retorno financeiro. A decisão estratégic­a foi a de lançar satélites que cobrissem essas lacunas no território. Jarbas Valente, 62 Engenheiro eletrônico pela Universida­de de Brasília, (UnB), é presidente da Telebras desde abril SGDC Custo: R$ 2,8 bilhões

Operação: Telebras e Ministério da Defesa

Fabricante: Thales (França)

Lançamento: mai.2017

Conexão: Ka (banda larga), X (uso militar)

Vida útil: 18 anos

Gastos pagos pela União Federal à Telebras para o projeto do SGDC

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Pedro Ladeira/Folhapress
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(Satélite Geoestacio­nário de Defesa e Comunicaçõ­es Estratégic­as)

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