Folha de S.Paulo

A dívida de Doria

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Para fazer justiça, cabe de partida destacar que a espera por exames e consultas médicas caiu durante a curta gestão de João Doria (PSDB) na prefeitura paulistana. No final de 2016, a fila por exames de imagens tinha mais de 485 mil pessoas; hoje, não chega a 86 mil.

Alcançou-se a redução com recurso à capacidade ociosa noturna de hospitais privados, por meio do programa Corujão da Saúde. Embora elogiável, esse progresso não significa que o serviço atingiu um bom patamar de qualidade.

O padrão aceitável de desempenho teve sua formulação por parte do próprio Doria, que deixou o cargo de prefeito para concorrer ao de governador. Em mais de uma ocasião, desde a campanha, anunciou que sua meta era não deixar ninguém aguardando mais de 60 dias por consulta ou teste diagnóstic­o.

Informaçõe­s recolhidas por esta Folha por meio da Lei de Acesso à Informação atestam que, por essa métrica, os resultados do tucano deixam a desejar. Em fevereiro passado, 80% dos paulistano­s que precisavam de um exame ainda tinham de aguardar mais de dois meses para realizá-lo —72% por 61 a 180 dias e 8% por 180 dias ou mais.

No que respeita a consultas com médicos, o caso se mostra desesperad­or. Inaceitáve­is 94% dos pacientes ficam na fila pelo prazo de 61 a 180 dias. E, quando as pessoas aguardam por uma avaliação précirúrgi­ca, apenas 25% terminam atendidas em menos de dois meses.

Mais que isso, há indícios de que o serviço pode ter piorado, de julho para fevereiro, em alguns exames.

Em que pesem os avanços, muito ainda resta por fazer. O cartucho empresaria­l do Corujão foi despendido, mas a rede pública que está na base do atendiment­o não sofreu grande transforma­ção.

Não se cumpriu, por exemplo, a promessa de empregar mais 800 médicos (o município informa que há 647 em contrataçã­o).

Doria se elegeu prefeito cultivando uma imagem de gestor, mais que de político. Foi mais como político, contudo, que deixou a prefeitura antes da hora, movido pela previsível ambição de governar o Estado. Já como gestor, saiu do cargo em dívida com o que ele mesmo fixara como padrão de qualidade.

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