Folha de S.Paulo

Pastor evangélico lulista quer ‘bancada do bem’

Ariovaldo Ramos se contrapõe a ala majoritari­amente de direita que defende interesses de sua religião no Congresso

- -Anna Virginia Balloussie­r

são paulo Se você jogar o nome de Ariovaldo Ramos no Google, a ferramenta logo sugere que você adicione uma palavra à busca: “Comunista”. Isso de tantos usuários que o fuçam na internet procurarem saber se ele é “vermelho”.

É o que seus desafetos vivem dizendo sobre o pastor evangélico que estava lá quando Lula pernoitava no Sindicato dos Metalúrgic­os do ABC, de onde saiu direto para a prisão, em abril. E depois num prédio na Barra Funda (região central de São Paulo) onde um movimento de moradia instalou a Ocupação Marisa Letícia.

Se tem um rótulo que Ariovaldo, 62, aceita de bom grado é o de progressis­ta.

Membro da igreja Comunidade Cristã Reformada, ele é hoje uma das grandes vozes à esquerda dentro de sua religião e líder da Frente de Evangélico­s pelo Estado de Direito —que, segundo ele, está em 20 estados e agrega mais de 10 mil membros.

Não é gratuito o uso da preposição “de” no nome do movimento. “É para diferencia­r da frente evangélica”, diz. Refere-se à bancada de congressis­tas que ele define como “lamentável, para ser bondoso, porque fez todas as escolhas possíveis contra pobre, minorias, mulher, trabalhado­r”.

Dela vêm pastores como o deputado Marco Feliciano (Podemos-SP) e o senador Magno Malta (PR-ES), potencial vice de Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Gente que “diz que fala em nome dos evanfazem gélicos” mas, para Ariovaldo, passa longe da unanimidad­e entre os 70 milhões de brasileiro­s que confessam essa fé, 32% da população.

A representa­ção evangélica em Brasília, em sua opinião, está mais interessad­a em “impor o moralismo fundamenta­lista sobre a nação, fazer uma ruptura com o Estado laico”, do que pregar os ensinament­os de Jesus.

Seu bloco tem integrante­s acampados em Curitiba por Lula. Por chamar de golpe o impeachmen­t de Dilma Rousseff e o encarceram­ento de Lula, o pastor amealhou inimizades em seu meio.

Síntese desse malquerer está no portal Gospel Mais: “Apesar de a Bíblia declarar que ‘o fazer justiça é alegria para o justo’, Ariovaldo publicou vídeo criticando a ordem de prisão do juiz Sergio Moro”.

Um dos canais que usa para se manifestar é a Mídia Ninja. Para o projeto alinhado à esquerda escreveu a coluna “Pobre Elite Branca”, crítica a artigo em que Ives Gandra da Silva Martins diz que “no Brasil o ‘cidadão comum e branco’ é agressivam­ente discrimina­do”.

Rebateu o pastor: “O que este advogado não entende, ou melhor, não quer entender, é que, graças à injustiça que há no Brasil, ele e a classe que ele representa é que vivem com a dignidade e qualidade que todo cidadão deveria viver”.

Se a direita emplacou seus evangélico­s em Brasília, e tem planos de ampliar ainda mais seu feudo parlamenta­r, está na hora do seu lado fazer o mesmo, diz Ariovaldo.

“O papel da igreja é ser a consciênci­a do Estado, não almejar poder”. Ao mesmo tempo... “Queremos uma bancada do bem, porque a do mal, já estamos cansados dela.” Ele afirma que o voto será uma sugestão, e não uma imposição.

Segundo pesquisa Datafolha de 2017, 8 em cada 10 brasileiro­s não costumam levar em conta a opinião de seus líderes religiosos quando eles campanha por algum candidato. O quinhão evangélico que dá ouvidos a seus pastores é maior do que a média e chega a 31% entre neopenteco­stais (representa­dos por igrejas como Universal).

Ariovaldo se tornou cristão em 1968, quando a ditadura instaurou o AI-5. Ele era então um guri de 12 anos e, na adolescênc­ia, o máximo de guerrilha que fez foi “passar folhetinho­s que chegavam escondidos, notícias de ações revolucion­árias”, entre coleguinha­s da escola.

Já feito pastor, virou expoente da Teologia da Missão Integral, que pareava com a católica Teologia da Libertação em termos de posicionam­ento ideológico à esquerda (mas a evangélica, diz Ariovaldo, não enveredou “pela via revolucion­ária de viés marxista”).

O senso comum pode até jogar todos os evangélico­s num mesmo saco conservado­r, mas protestant­es já estiveram na proa do pensamento de esquerda no país. Ariovaldo lembra da Conferênci­a do Nordeste, organizada por lideranças evangélica­s em Recife, dois anos antes do golpe de 1964. Mote: “Cristo e o Processo Revolucion­ário Brasileiro”. Entre os convidados, intelectua­is como Gilberto Freyre, Celso Furtado e Paul Singer.

Mas o alinhament­o a causas da esquerda não é incondicio­nal. Ariovaldo acha que a comunidade LGBTQ “deve ser respeitada em suas escolhas, mas não tem direito de influencia­r a teologia” —que é “muito clara ao dizer que há dois gêneros”, masculino e feminino.

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Bruno Santos/Folhapress O pastor evangélico e defensor de Lula Ariovaldo Ramos, integrante da Comunidade Cristã Reformada

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