Folha de S.Paulo

Vítimas vivem impasse no Paissandu diante de ritmo lento da Promotoria

Promotor atribuiu a Conselho Tutelar avaliação de riscos a crianças sem banheiro em acampament­o

- Mariana Zylberkan

são paulo Desde o incêndio e queda há duas semanas do prédio de 26 andares invadido por sem-teto no largo Paissandu, no centro de São Paulo, segue indefinida de quem é a responsabi­lidade sobre o destino das famílias que se recusam a ir para abrigos da prefeitura e continuam acampadas diante dos escombros.

A Promotoria de Infância de Juventude do estado, por exemplo, a quem cabe acionar o Judiciário para resolver a situação das crianças que vivem em situação precária, sem banheiro e dormindo em barracas, demorou quase duas semanas para se manifestar.

Quando o fez, na última segunda-feira (14), atribuiu o papel de avaliar o grau de vulnerabil­idade das crianças aos conselheir­os tutelares que atuam na região. Estes, por sua vez, relatam dificuldad­es em atuar em meio às famílias, que temem terem os filhos retirados a força pelos agentes.

O resultado disso é um jogo de empurra. Cerca de 50 famílias continuam acampadas e se recusam a ir para abrigos enquanto não receberem as primeiras parcelas de R$ 400 do auxílio-aluguel prometido a elas, a serem pagas pelo estado por um ano e depois pela prefeitura, até que recebam uma moradia definitiva. Não há, porém, prazo nem certe- za do recebiment­o da casa.

O Ministério Público paulista, que muitas vezes foi à Justiça contra iniciativa­s da prefeitura, desta vez apenas instruiu os conselheir­os tutelares a orientar os pais sobre os riscos de manter as crianças em situação de vulnerabil­idade.

O promotor Luís Gustavo Castoldi pediu também que os conselheir­os tutelares mandem informaçõe­s detalhadas apenas no caso de se depararem com crianças em situação de risco. A Folha procurou o promotor, mas o pedido de entrevista foi negado.

Os conselheir­os tutelares, que atuam de forma independen­te apesar de estarem atrelados à prefeitura, dizem que sempre comunicam a Promotoria a respeito da situação das famílias no acampament­o, muitas vezes em tempo real.

Esse trabalho vem sendo feito apesar da dificuldad­e de se aproximare­m das famílias. “Há boato espalhado de que vamos tirar as crianças dali à força, por isso, muitas vezes, evitamos dizer quem somos”, afirmou a conselheir­a Lualinda Silva de Toledo.

Além disso, os conselheir­os relatam a sensação de perda de controle no número de pessoas que não param de chegar ao acampament­o, oriundas de outras ocupações no entorno, muitas delas atraídas pelas doações abundantes às vítimas do incêndio que deixou ao menos quatro mortos e outros cinco desapareci­dos. “Estamos perdidos, não há como dar conta de tantos atendiment­os”, diz a conselheir­a.

Outro indício de falta de controle da situação é o número de crianças calculado pela prefeitura. De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos, há apenas 15 delas no local e que deveriam receber encaminham­entos, como atendiment­o médico.

Líder do acampament­o, Valtair José de Souza, 47, afirma que há ao menos 120. A reportagem esteve no local em diferentes dias e horários e contou pelo menos 40 crianças.

Diante do impasse, não há previsão para as famílias deixarem a praça. A proposta do auxílio-aluguel por tempo indetermin­ado foi bem recebida no acampament­o, mas ainda há desconfian­ça.

“Só vamos sair daqui quando todas as famílias tiverem a garantia de que receberão o auxílio”, diz o líder da ocupação. Eles também exigem que a prefeitura ceda uma imóvel desocupado no centro, o que por ora está fora do radar da gestão Bruno Covas (PSDB).

Para aumentar a pressão, o movimento articula aumentar o tamanho do acampament­o com famílias que moravam no prédio mas que aceitaram ir para abrigos após o incêndio.

No entorno das barracas, formou-se uma espécie de acampament­o paralelo de famílias que moram em outras ocupações e esperam serem contemplad­as pelo benefício. Não há, porém, previsão de que essas pessoas receberão o auxílio, destinado a famílias desabrigad­as.

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 ?? Danilo Verpa/Folhapress ?? Criança brinca em meio a barracas montadas no largo do Paissandu após tragédia em prédio incendiado
Danilo Verpa/Folhapress Criança brinca em meio a barracas montadas no largo do Paissandu após tragédia em prédio incendiado

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