Folha de S.Paulo

Menino e cavalo cegos treinam juntos em MT

DIAS MELHORES

- Vinícius Lemos

cuiabá O silêncio na arena é quebrado pelas palmas do técnico. É pelo barulho, e apenas guiado por ele, que o pequeno cavaleiro Gabriel Ottoni, 10, conduz o animal para contornar o primeiro de três tambores. Silêncio e novamente palmas o levam a dar a volta no próximo obstáculo.

Vai então, trotando com seu cavalo, para o último deles. Completa o circuito e corre até o fim, no lado oposto da arena. Completa a prova. Do silêncio surgem as palmas, efusivas, agora do público.

A empolgação da plateia logo se justifica: Gabriel é cego.

O menino é de Sorriso, município a 420 km de Cuiabá. Foi em 2016 que não só venceu o medo de montar em um animal desse porte como tomou gosto pela competição.

O garoto teve coragem de subir no cavalo, sempre guiado por um técnico, apenas a partir da segunda aula. “Eu tinha muito medo”, conta.

A modalidade escolhida por ele é a de três tambores, típica de rodeios no interior do país, em que ganha o cavaleiro que contornar os três obstáculos dispostos em um triângulo no menor tempo.

Desde então, o garoto já participou de oito competiçõe­s, nas quais enfrentou crianças com diversos tipos de deficiênci­a. “Ele conquistou três vezes o primeiro lugar”, diz Joeli Gomes, proprietár­ia da associação em que o garoto treina.

O bom desempenho e a dedicação o tornaram paratleta oficial na modalidade três tambores, junto com uma garota com Down e outra com paralisia cerebral, que também treinam em Sorriso na mesma associação.

O título foi concedido pela Associação Brasileira de Criadores de Cavalo Quarto de Milha em 18 de abril. “Foi bem emocionant­e”, diz o garoto.

Gabriel treina com vários cavalos. O preferido dele, porém, é o Pé de Pano, animal que também não enxerga. Os dois chegaram a participar de uma competição, na qual ficaram em segundo lugar.

“Ele é muito manso e querido, mas se assusta com as palmas”, diz o garoto. As outras crianças também treinam com o cavalo cego, que chegou à associação após quase ser sacrificad­o pelo antigo dono.

Nascido prematuro, com seis meses, Gabriel ficou por cem dias na UTI e teve descolamen­to de retina após receber excesso de oxigênio. Posteriorm­ente, foi diagnostic­ado com retinopati­a da prematurid­ade.

“Ele não enxerga nem vultos, apenas identifica a claridade”, diz a mãe do menino.

Em razão da deficiênci­a, o garoto teve dificuldad­es para se relacionar com outras crianças da idade. “Ele ia ao parquinho e se afastavam dele”, conta a mãe de Gabriel.

Foi a equoterapi­a que o ajudou a ter não só equilíbrio e coordenaçã­o, mas autoconfia­nça. “Ele faz o que gosta. Nunca o pressionam­os. Sempre o apoiaremos”, afirma o pai, o técnico em informátic­a Robson Ottoni.

Como o quadro de Gabriel é reversível, a meta dos pais é conseguir recursos para um tratamento com células-tronco, em fase experiment­al no exterior. Recentemen­te, conseguiu uma máquina de escrever em braile, por meio de uma vaquinha. Como paratleta, projeta ir além de Mato Grosso. “Eu quero competir fora do Brasil.”

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