Folha de S.Paulo

Num outro mundo...

A Justiça ficou sem balança

- Hélio Schwartsma­n André Singer Professor titular do Departamen­to de Ciência Política da USP. Escreve aos sábados

são paulo Na carta que enviou à presidente do PT, Lula cravou: “Se eu aceitar a ideia de não ser candidato, estarei assumindo que cometi um crime. Não cometi nenhum crime. Por isso sou candidato até que a verdade apareça”.

Compreendo a frustração de Lula e reputo o “jus sperneandi” (direito de espernear) como sagrado, mas receio que a declaração do expresiden­te nem sequer faça sentido. Não há vínculo necessário entre manutenção da candidatur­a e admissão de culpa.

Se o modelo quântico dos muitos mundos é correto, existe tanto um universo onde Lula é inocente e não sai candidato como um no qual ele é culpado e fica na disputa. Nenhuma combinação imaginável viola a lógica nem as leis da física.

Em qual universo estamos? A Justiça deu seu veredicto, mas, numa democracia, estamos obrigados apenas a acatar as decisões do Judiciário, não concordar com elas. Mesmo assim, acho difícil conceber um mundo no qual um dirigente político muito influente no governo que aceita receber presentes caros de empreiteir­os seja inocente.

Não é que isso chegue a violar as leis da física, mas contraria as tendências probabilís­ticas. Eu e milhões de brasileiro­s temos sítios, mas nenhuma construtor­a se oferece para reformá-los de graça. O “reasonable man” dos manuais de direito tem o dever de desconfiar de tamanha generosida­de.

Vale ainda observar que o relacionam­ento que Lula estabelece­u com empreiteir­os jamais seria tolerado no PT dos anos 80, que prometia trazer a ética para a administra­ção pública. E o fato de os militantes agora tentarem justificar as atitudes de seu líder apenas reforça a tese daqueles que sustentam que a política, em especial a política partidária, tem mais a ver com identidade­s do que com princípios.

E, nesse registro, aquilo que teria bastado para jogar um Maluf atrás das grades por décadas agora é insuficien­te para condenar um Lula. O ex-presidente do PT José Dirceu foi preso pela terceira vez. Da primeira prisão, em 2012, aproveitou-se o ministro aposentado do Supremo Joaquim Barbosa. A segunda, em agosto de 2015, fez a glória do juiz Sergio Moro. A desta sexta-feira (18) será explorada na campanha eleitoral a partir de agosto.

Enquanto isso, os pessedebis­tas acusados na Lava Jato continuam a gozar de imunidade. Não só o ex-presidente nacional do partido tucano escapa há anos das garras da Justiça, agora o principal pivô de supostos desvios em favor do PSDB no estado de São Paulo foi posto em liberdade antes de fazer delação premiada.

Embora as cifras traficadas sejam compatívei­s com as atribuídas ao petismo, o ciclo condenatór­io nunca se fecha sobre o tucanato. O assessor paulista recentemen­te libertado tinha US$ 34 milhões na Suíça. Dirceu se arrisca a mofar 30 anos na prisão por receber R$ 12 milhões.

Está fora de questão que os elementos revelados pela Lava Jato mereceriam respostas nunca disponibil­izadas pelo PT, pelo PSDB ou o pelo MDB. O problema é que, dentro do bipartidar­ismo objetivo que orientou as eleições presidenci­ais pós-1989, um lado foi feito picadinho e o outro, não.

Desde março de 2014, o que venho chamando de Partido da Justiça (PJ), metáfora para designar juízes, promotores e delegados que passaram a incidir sobre a política, embora não tenham sido eleitos para isso, escolheu como alvo privilegia­do o Partido dos Trabalhado­res.

Nesse ponto, costuma-se lembrar que o mecanismo recaiu também sobre o MDB. Com efeito, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha está atrás das grades. Do mesmo modo, Geddel Vieira Lima encontra-se detido.

O ex-procurador geral Rodrigo Janot, com a inestimáve­l colaboraçã­o do empresário Joesley Batista, aplicou-se em investigar figuras chave do emedebismo. O auge de tal conduta foi a segunda denúncia contra Michel Temer no ano passado. O presidente conseguiu evitar a própria queda no Congresso, mas o seu governo, na prática, terminou ali.

Ocorre que Temer sempre foi entendido como solução provisória para o pós-impeachmen­t de Dilma. Derrubado o PT, o importante era garantir a perspectiv­a de futuro, representa­da pelo PSDB, até aqui incólume. Com a desistênci­a de Barbosa, o PJ ficou sem candidato, mas continua a pesar no equilíbrio partidário.

Aliás, a foto de Moro com João Doria (PSDB), pré-candidato ao governo paulista, em Nova York (Poder, 16/5), um ano e meio depois de ser retratado com o senador Aécio Neves (PSDB-MG), indica que a liderança mais visível do PJ não se esforça por esconder para que lado pendem as suas simpatias.

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Renato Machado

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