Folha de S.Paulo

Sem investimen­to, Venezuela desperdiça alta do petróleo

Estatal sofre com inchaço de funcionári­os e produção recua a nível de 1985

- Jan. 2014 -Fabiano Maisonnave Abr. 2018 Jan. 2014 Abr. 2018

caracas Após anos em baixa, o preço do petróleo voltou a subir com força no mercado internacio­nal. Em tempos passados, a notícia seria festejada na Venezuela, mas o sucateamen­to da estatal PDVSA e a delicada situação econômica do país deixam pouco espaço para celebração.

Consequênc­ia do recrudesci­mento das tensões entre EUA e Irã e da própria crise da produção venezuelan­a, o preço do barril do tipo Brent (referência para o mercado internacio­nal) ultrapasso­u, nesta semana, a barreira dos US$ 80 —é a primeira vez que isso ocorre em quatro anos.

Desde o ano passado, o preço do barril já subiu 40%. Com o anúncio do presidente americano, Donald Trump, de que abandonari­a o acordo nuclear com o Irã, a cotação do combustíve­l já ficou US$ 5 mais cara neste mês.

Essa recuperaçã­o, porém, não teve impacto na economia venezuelan­a. Pelo contrário: o FMI projeta que o país deve fechar 2018 com uma queda de 15% do PIB (o quinto ano consecutiv­o de contração econômica) e uma hiperinfla­ção de 13.864% —de longe, a maior do mundo.

O principal motivo é o declínio da produção desde a ascensão do presidente Hugo Chávez, em 1999, quando a Venezuela entregava 3,1 milhões de barris de petróleo por dia.

Atualmente, a produção venezuelan­a está estimada em cerca de 1,47 milhão de barris/ dia, o pior nível em 33 anos.

A PDVSA, que sob Chávez passou a ter o monopólio da indústria petroleira, enfrenta outros problemas, vinculados Onde estão as maiores reservas do planeta

10º

EUA

Canadá

171,5

Venezuela

300,9 3º 9º

Líbia

48,4 15º

Brasil

12,6 8º

Emirados Árabes

97,8 2º

Arábia Saudita

266,5

a disputas em tribunais internacio­nais.

Uma decisão judicial deu à empresa norte-americana ConocoPhil­lips o controle de terminais de exportação no Caribe, em meio a uma disputa sobre a indenizaçã­o após a estatizaçã­o de suas operações na Venezuela.

Sem essas instalaçõe­s, a PDVSA perdeu parte de sua capacidade de envio de petróleo para a China e outros países.

Outra limitação para a Venezuela se beneficiar da alta do preço são os empréstimo­s contraídos com a China. São cerca de US$ 50 bilhões, a serem pagos com petróleo, além das taxas de juro.

A PDVSA também sofreu um inchaço de funcionári­os à medida que passou a administra­r programas sociais e

Kuait

101,5 5º

Iraque

Rússia

109,5 4º

Irã

158,4

empresas de processame­nto de alimentos.

Segundo o dado oficial mais recente, de 2016, a estatal petroleira tinha 146 mil funcionári­os contratado­s. No início do governo Chávez, eram cerca de 27 mil —com o dobro de produção de petróleo.

Os cofres da estatal sofrem ainda com a sangria provocada pelos subsídios do mercado interno, que consome até 450 mil barris/dia. Atualmente, a gasolina é tão barata que, com apenas US$ 1 (R$ 3,74), é possível comprar 122 mil litros.

Um outro sintoma dos problemas é que, segundo a agência Reuters, a PDVSA, comprou o equivalent­e a US$ 440 milhões (R$ 1,6 bilhão) em petróleo e enviou o carregamen­to a Cuba, em vez de vender ao país aliado produto de suas reservas.

Simpático ao governo chavista, o economista Andrés Giussepe afirma que um erro de avaliação a partir de 2005 foi o motivo da queda da produção.

Estimando que o petróleo não cairia mais de preço, o governo Hugo Chávez passou a priorizar a faixa do Orinoco, de extração onerosa por se tratar de petróleo pesado e ultrapesad­o, em detrimento de recuperar a produção de campos velhos, explica o analista.

Giussepe diz que, antes de recuperar a produção dos campos para aproveitar a provável nova bonança, a PDVSA precisa renegociar o Petrocarib­e, acordo de exportação subsidiada para países da região, combater a corrupção e o oligopólio de empresas de serviços petroleiro­s.

“Se não souberem o que fazer com o petróleo, é melhor que não o extraiam”, disse Giussepe, citando uma frase que ficou famosa na Venezuela em meados dos anos 1970.

Crítico do chavismo, o economista Francisco Monaldi afirma que o petróleo venezuelan­o tende a continuar abaixo do solo, ao menos no curto prazo.

Em estudo recente, ele estima que a produção diminuirá até 350 mil barris por dia até dezembro, devido aos problemas de caixa cada mais graves e imprevisív­eis da PDVSA.

Monaldi argumenta que, para iniciar a recuperaçã­o, é preciso atrair novamente empresas petroleira­s ocidentais, que atuariam com estatais de China, Rússia e Índia.

Além disso, a PDVSA precisaria de grande reestrutur­ação, para se concentrar exclusivam­ente na produção de gás e petróleo.

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