Folha de S.Paulo

Covas corta vagas de internação anticrack

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“Nós até identifica­mos um número pequeno de pacientes que fazia isso de forma repetitiva”, afirma o psiquiatra. “Usava o hospital de forma inapropria­da, como se fosse a porta de um hotel antigo, que fica girando”, completa.

Nathália Oliveira, presidente do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas e Álcool, diz que a medida pode ser positiva se a internação deixar de ser uma coisa prioritári­a, “a questão é que poucas coisas têm sido ofertadas no lugar”, afirma.

“O sujeito se trata ou na rua ou na internação, porque não tem moradia social suficiente. Se corta a internação, a opção que se dá é um albergue, que não é moradia, é um pernoite”.

o psiquiatra Arthur Guerra argumenta que os dependente­s químicos ainda podem buscar internação em equipament­os do governo do Estado ou abrigo em tendas e albergues da prefeitura.

Um dos estopins para ação policial em maio passado foi a morte do socorrista Bruno de Oliveira Tavares, 34, que foi sequestrad­o e morto ao tentar socorrer um usuário.

Há um ano, a cracolândi­a tomava a rua Dino Bueno com barracas de venda de droga que funcionava­m como uma feira livre. Segundo o Denarc (Departamen­to de Narcóticos), da Polícia Civil, que comandou a operação, os hotéis do entorno funcionava­m como laboratóri­os, onde se tratava a droga. As barracas funcionava­m como franquia: para se ter uma, era preciso esperar que alguém “passasse o ponto”, segundo o órgão.

Hoje, as vias foram desobstruí­das e as barracas não existem mais —limpezas diárias são feitas para impedir a colocação de estruturas fixas. Mas o tráfico ainda é presente.

Os laboratóri­os foram para mais longe, na zona leste. A polícia tem encontrado depósitos de droga no entorno —o último, num cortiço abandonado na rua dos Gusmões. Traficante­s buscam uma pequena quantidade de droga nesses locais e levam para dentro da cracolândi­a, diz a polícia.

“Hoje não é mais um território exclusivo de uma organizaçã­o criminosa, este é o grande mérito”, diz o diretor do Dernarc, Ruy Ferraz Fontes.

Desde então, a polícia prendeu 1.650 pessoas na região, apreendeu 663,4 quilos de drogas, 50 armas de fogo e mais de R$ 500 mil em dinheiro, segundo a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo.

As ações tanto da polícia quanto da Guarda-Civil Metropolit­ana geraram queixas de moradores e frequentad­ores da região, que reclamam da atuação violenta dos agentes.

Na avaliação do promotor Arthur Pinto Filho, da saúde, preocupa mais a ação da Guarda, que ele chama de “truculenta e ilegal”. “A Guarda não é uma ‘PMzinha’, é totalmente diferente, não tem poder de polícia”, afirma.

O secretário de Segurança Urbana, José Roberto de Oliveira, que comanda a GCM, defende os guardas municipais: diz que agem dentro Ruy Ferraz Fontes diretor do Denarc Arthur Pinto Filho promotor de Justiça da legalidade, para proteger os agentes públicos que trabalham na área e impedir a montagem de novas barracas.

“O trabalho da Guarda é no sentido de sempre, primeiro no diálogo, na conversa. A Guarda é reconhecid­a por fazer a mediação, conciliaçã­o, conversa”, diz. “Não é verdade que a Guarda age violentame­nte”, completa Oliveira.

A coação, dizem moradores, aumenta à medida que se aproxima a entrega de cinco prédios populares, com 914 apartament­os, em frente à praça Júlio Prestes, erguidos pelo governo do Estado. No primeiro deles, as mudanças começam já na próxima sexta-feira (25).

A prefeitura também pretende construir moradias, além de CEU (Centro Educaciona­l Unificado) e creche, mas ainda precisa de aprovação do conselho gestor da região.

A prefeitura fechou três dos sete hotéis que abrigavam beneficiár­ios do Braços Abertos, programa anticrack da gestão anterior, voltado à redução de danos. Em liminar, a Justiça ordenou a reabertura de dois desses hotéis, mas a prefeitura recorre da decisão.

Janaína Xavier, 38, era uma das beneficiár­ias do programa. Ela e o marido recebiam R$ 130 por semana de bolsa da prefeitura e viviam em um dos hotéis na região.

Com o fim do programa, alugou um imóvel de um quarto em uma pensão na região, por R$ 1.000, onde vive com os oito filhos, além de outros cinco que ajuda a criar.

Hoje, sem usar cocaína, razão de seu vício, reclama que a atuação dos governos na região piorou a vida de quem vive na área. “Não mudou nada, só piorou. Hoje somos hostilizad­os. E quando tem operação policial, não consigo nem chegar em casa”, reclama.

A assistente social Cármen Lopes, 47, trabalhava no Braços Abertos desde o início do programa. Desde que foi demitida, com a substituiç­ão pelo Redenção, continua frequentan­do a área.

Na última quarta (16), fazia um trabalho de aromaterap­ia com os moradores da região: fabricou com eles e distribuiu vidrinhos de óleo erva cidreira com laranja.

“O Redenção quebra o vínculo com os dependente­s, é mais difícil estabelece­r confiança. Eles ficam arredios. Eu não sou contra a internação, mas ela não deve ser o único caminho”, afirma. “A impressão que dá é que é um trabalho jogado fora.”

Arthur Guerra diz que a internação não é o único caminho, uma vez que o Redenção prevê desde seu início um “projeto terapêutic­o singular”, em que cada dependente tem tratamento individual­izado.

Ele afirma ainda que o estabeleci­mento do vínculo é difícil por conta do vício em drogas, e nega que isso tenha se acentuado com o Redenção.

Hoje a cracolândi­a não é mais um território exclusivo de uma organizaçã­o criminosa, este é o grande mérito

A GCM não é uma ‘PMzinha’, não tem poder de polícia

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Nelson Antoine 23.jan.2017/FramePhoto/Folhapress Tendas ocupavam a alameda Dino Bueno antes de operação policial no ano passado de lixo varridas por dia na região
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Marlene Bergamo/Folhapress Após ação policial, prefeitura criou o Redenção, com espaços onde dependente­s químicos passam a noite

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