Folha de S.Paulo

Com abordagem fofa, ‘Entre-Laços’ torna questão trans palatável a público família

CINEMA

- -Cássio Starling Carlos

Entre-Laços

Karera Ga Honki de Amu Toki Qa. Japão/França, 2017. Direção: Naoko Ogigami. Elenco: Tôma Ikuta, Rin Kakihara, Kenta Kiritani. 16 anos. Em cartaz. A presença do tricô como metáfora da narrativa e como elemento da trama é a garantia mais clara, e não única, de que “Entre-Laços” é um daqueles filmes concebidos para transmitir fofura.

O sétimo longa da diretora japonesa Naoko Ogigami reúne os ingredient­es para agradar, sem incomodar, o público em busca de valores corretos, tais como respeito à diversidad­e sexual, carinho com as crianças e atenção aos idosos.

No centro de tudo, está Tomo, uma garota de 11 anos presa a um cotidiano de abandono. Sozinha em casa, ela se alimenta somente com lanches prontos e espera ansiosa a mãe, que chega bêbada, apaga e deixa a garota para lá.

Logo a mãe some, e Tomo é acolhida pelo tio, que agora vive com Rinko, uma namorada que a menina acha diferente, até descobrir se tratar de uma trans.

A partir desse material, “Entre-Laços” tece múltiplos temas da agenda contemporâ­nea buscando o equilíbrio entre didatismo e emoção.

Enquanto as figuras maternas ganham contornos negativos, como mulheres egoístas ou moralistas, a personagem trans acumula toda a capacidade de afeto, tornando-se um condensado de positivida­de.

Da mesma forma, todas as outras possibilid­ades de subversão e de desvio da norma são amortecida­s para que “Entre-Laços” difunda sua mensagem genérica.

A angústia e o desespero de um garoto que se descobre gay conduzem a um ponto quase trágico, mas o filme abranda a crise com um simbólico gesto de aceitação.

Qualquer possibilid­ade de crise no momento da autodescob­erta de Rinko na adolescênc­ia é, por sua vez, anulada pelo fato de sua mãe ser compreensi­va, capaz de acompanhar e estimular sua transição do filho.

Ou seja, se o filme oferece uma inegável contribuiç­ão positiva à questão trans, tirando-a da marginalid­ade para inseri-la no universo familiar, dos afetos interparen­tais, em troca apagam-se os conflitos internos e externos de Rinko, personagem potencialm­ente rica em contradiçõ­es.

A simplifica­ção, no entanto, é o que permite ao filme ir além do nicho LGBT, dosando sua mensagem positiva para um público família que não quer ser incomodado com conteúdos sexuais e pode ser seduzido com simpatia.

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Divulgação No filme, a menina Tomo (Rin Kakihara) vai viver com o tio, Makio (Kenta Kiritani)

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