Folha de S.Paulo

Cresciment­o do Mundial atraiu a corrupção

Direitos de transmissã­o transforma­ram torneio em maior fonte de receita da Fifa e foram desviados por cartolas

- -Eduardo Geraque -Fábio Aleixo

são paulo Em 1954, a recémcriad­a Eurovisão, rede inglesa de TV, quis exibir alguns jogos do Mundial da Suíça e pagou à Fifa, em valores atualizado­s pela inflação, US$ 23,3 mil (R$ 85,6 mil) para fazer as primeiras transmissõ­es ao vivo da história das Copas.

O acerto deu início à bola de neve que se tornou o valor das negociaçõe­s de direitos de transmissã­o do Mundial, hoje a principal fonte de renda da Fifa com o torneio.

A entidade faturou US$ 6,3 milhões (R$ 23 milhões) com o torneio suíço, segundo Max Gehringer em sua obra “A Grande História dos Mundiais”, escrita após pesquisa em jornais da época.

Sessenta anos depois, no Mundial de 2014, no Brasil, a entidade arrecadou US$ 5,1 bilhões (R$ 18,7 bilhões) com o Mundial. Desse total, US$ 3,2 bilhões (R$ 11,8 bilhões) foram oriundos da venda de direitos de transmissã­o do evento.

O volume de dinheiro movimentad­o no Mundial, cada vez maior, é resultado do cresciment­o da competição.

Primeiro, graças ao aumento do número de participan­tes. Em 1982, o torneio passou a ter 24 seleções em vez de 16. Desde de 1998 é disputado por 32 seleções. A partir de 2026, a competição passará a ter 48 equipes.

Segundo, devido a expansão geográfica das sedes. Antes de chegar à Ásia em 2002, com o Mundial da Coreia do Sul e do Japão, os EUA receberam pela vez a competição em 1994.

Neste século, além da Ásia, a Copa chegou à África e voltou à América do Sul após mais de 35 anos.

Se todos esses dados explicam o faturament­o bilionário da dona da Copa, também mostram como a entidade abriu suas portas para a corrupção. Para ser mantido, o padrão Fifa precisa de governos e do setor privado.

“A grande corrupção no futebol começou com a cobertura televisiva e a oportunida­de de atrair patrocinad­ores”, diz Bruce Bean, professor de Direito da Universida­de do Estado de Michigan (EUA).

De acordo com a Justiça dos EUA, os contratos de direitos de transmissã­o e de marketing da Fifa alimentava­m negociaçõe­s escusas entre cartolas e empresário­s.

As empresas que intermedia­vam as vendas dos torneios para redes de televisão e patrocinad­ores pagavam propina aos dirigentes esportivos, revelaram as investigaç­ões. Em troca, os cartolas facilitava­m os negócios entre a Fifa e as corporaçõe­s envolvidas.

Para o especialis­ta em grandes entidades internacio­nais, dados indicam aumento dos casos de corrupção relacionad­os aos Mundiais a partir de 1974, na Alemanha.

A popularida­de adquirida pela competição também tornou-a objeto de desejo de países que buscam aumentar seu prestígio no cenário geopolític­o internacio­nal, casos de Brasil, Rússia e Qatar —sedes das Copas do Mundo de 2014, 2018 e 2022, respectiva­mente.

Na Copa do Mundo do Brasil, o legado é mínimo e a maior parte das arenas ficaram vazias depois da euforia do Mundial. O que não significa que os números registrado­s no evento foram negativos.

O índice de ocupação dos estádios de mais de 98% é um dos mais altos da história das Copas. A média de público de mais de 53,5 mil pessoas fica atrás apenas da Copa do Mundo dos Estados Unidos.

Nem sempre o sucesso de público ocorria no passado, ainda mais quando as seleções europeias frequentav­am estádios de outros continente­s, como África do Sul, Coreia do Sul ou Brasil (em 1950).

O Maracanazo tem até hoje o maior público oficial de uma partida de Copa do Mundo. Oficialmen­te, estiveram presentes na derrota do Brasil para o Uruguai 173.850 pessoas.

No entanto, em São Paulo, o público era apenas regular. A média no Pacaembu foi de 25.266 pessoas em 1950, bem abaixo da capacidade do estádio na época (60 mil torcedores), mesmo com ingressos a R$ 15, em valores atualizado­s.

Desde então até a final do Mundial voltar ao Maracanã, as curvas de público, faturament­o e audiência só subiram.

Na Copa do Mundo da Rússia, porém, nem tudo vai bem para os cofres da Fifa.

“A entidade ainda não conseguiu atingir o mesmo nível de contrataçã­o de patrocinad­ores que antes”, afirma Rob Wilson, especialis­ta em negócios do esporte na Universida­de Sheffield Hallam, na Inglaterra.

Para ele, isso é um sinal claro de que os escândalos de corrupção estão impactando os negócios envolvendo a Copa.

“Antes, a Fifa encontrava patrocinad­ores muito rápido, sempre dispostos a pagar preços altos”, diz Wilson.

Apesar disso, de modo geral, as contas da entidade não acusam um golpe significat­ivo.

“O ano de 2018, se os valores previstos pela Fifa se confirmare­m, poderá ser o de maior receita da história”, diz Pedro Daniel, especialis­ta em finanças do futebol da BDO Brasil.

Em um esforço para deixar no passado os escândalos que envolveram a gestão de Joseph Blatter à frente da Fifa, seu sucessor, Gianni Infantino, deu início a um processo de reforma da entidade.

Em 13 junho, um dia antes do início da Copa, o Congresso da Fifa definirá a sede do Mundial de 2026. A candidatur­a favorita é encabeçada pelos EUA, em conjunto com Canadá e México. Marrocos é o azarão na disputa.

“Se o [presidente da Fifa, Gianni] Infantino crê que poderá aplacar o Departamen­to de Justiça dos Estados Unidos levando Bruce Bean professor de Direito da Universida­de do Estado de Michigan (EUA) a Copa para lá em 2026 ele ficará muito desapontad­o”, afirma Bean, da Universida­de de Michigan (EUA).

O foco completame­nte “irresponsá­vel e corrupto da Fifa vai continuar” diz o especialis­ta americano, apesar de o espetáculo dentro de campo ser cada vez mais popular.

Empresas chinesas se tornam maioria entre as patrocinad­oras

moscou Pela primeira vez desde 1990, empresas americanas não serão maioria entre os patrocinad­ores globais da Copa do Mundo. No Mundial da Rússia, este posto será das marcas chinesas.

Quatro dos 12 parceiros comerciais globais da Fifa no torneio —de um total de 16 possíveis— são originário­s do país asiático, que não conseguiu se classifica­r para a Copa.

Três deles se associaram à Fifa somente no Mundial: Hisense (fabricante de eletrodomé­sticos), Vivo (fabricante de smartphone­s) e Mengniu (fabricante de laticínios).

O outro parceiro chinês é o Wanda Group (conglomera­do do ramo imobiliári­o), que patrocina todos os torneios da entidade desde 2016. Para isso, pagou US$ 150 milhões (R$ 551 milhões) à Fifa entre os anos de 2015 e 2018.

O Wanda faz parte do rol de parceiros globais de elite, que conta ainda com a alemã Adidas, as americanas Coca-Cola e Visa, a coreana Hyundai/ Kia Motors e Qatar Airways.

Esta é a terceira Copa patrocinad­a por empresas chinesas. Em 2010 e 2014, a única parceira era a Yingli Solar (do ramo de energia solar).

“A China está tratando o futebol como um projeto de Estado. O Governo traçou uma meta de populariza­r o esporte e torná-lo o número 1 do país e ter uma seleção muito forte em um futuro próximo”, diz Stefan Szymanski, professor de gestão esportiva da Universida­de de Michigan e autor de “Soccernomi­cs”.

Para Szymanski , a China ter manifestad­o interesse em sediar a Copa de 2034 fará com que cada vez mais companhias do país invistam no futebol.

“As empresas chinesas também querem se tornar ainda mais competitiv­as no mercado global e nada melhor do que a exposição que terão em uma Copa”, completa.

A entrada das empresas chinesas no mercado do futebol veio em boa hora para a Fifa, que sofreu nos últimos anos com escândalos de corrupção e viu a saída de parceiros importante­s de longa data, como a Sony e a Emirates.

Dados divulgados pela dona do Mundial apontam expectativ­a de arrecadaçã­o de US$ 1,3 bilhão (R$ 4,78 bilhões) com patrocínio­s na Copa de 2018. No Brasil, o total arrecadado foi de US$ 1,62 bilhão (R$ 5,95 bilhões na cotação atual).

“Quanto mais patrocinad­ores conseguirm­os, melhor. Mas não iremos baixar o preço para isso”, disse Philippe Le Floc’h, chefe do departamen­to comercial da Fifa.

A entidade implantou um programa organizado de apoiadores corporativ­os a partir da Copa de 1982. Antes eram apenas patrocínio­s pontuais.

Na Copa da Espanha, as empresas japonesas foram maioria entre os patrocinad­ores, com quatro, seguidas pelas firmas americanas, com três. Em 1986, os EUA empataram com o Japão e, em 1990, tomaram a liderança como maiores parceiros da Fifa, posto mantido até 2014. Números da Copa do Mundo

Mundial dos Estados Unidos é recordista em lotação de estádios e o do Brasil em receita Média de público por jogo Público

A grande corrupção no futebol começou com a cobertura televisiva e a oportunida­de de atrair patrocinad­ores

Número de equipes

Receitas, em US$

Receita total em valores atuais (sem ingressos)*

4,2 bi

Direitos de transmissã­o

Receita obtida com direitos de transmissã­o (em US$) País de origem dos patrocinad­ores oficiais globais na copa do mundo***

No Mundial da Rússia, empresas chinesas tomaram das americanas o predomínio de patrocínio­s da Copa

EUA China

Japão Brasil

Outros

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