Folha de S.Paulo

Análise de adversário­s passou do papel e caneta para o big data

Seleções aproveitar­am o desenvolvi­mento tecnológic­o para anular pontos fortes de rivais e ter sucesso na Copa

- Alberto Nogueira e Eduardo Geraque

são paulo Na véspera da final da Copa de 1970, entre Brasil e Itália, houve uma reunião no hotel em que a seleção brasileira estava concentrad­a. O relato é um registro dos primórdios da análise de desempenho em Copas.

“Como observador, havia estudado para o Zagallo a Itália. Montei slides com imagens de como eles jogavam e apresentam­os aos jogadores”, relata Carlos Alberto Parreira.

De acordo com Tostão, colunista da Folha e atacante do time de 1970, na obra “Tempos Vividos, Sonhados e Perdidos”, entender a defesa adversária ajudou o Brasil a ficar com o tricampeon­ato.

“Combinamos que, quando Jairzinho entrasse pelo meio e fosse acompanhad­o por seu marcador, Fachetti, [o lateral] Carlos Alberto avançaria e ocuparia o espaço. Foi o que ocorreu no quarto gol do Brasil”, lembra o ex-jogador .

Quatro anos depois, em 1974, os estudos dos rivais do Brasil foram negligenci­ados, como conta Rivellino.

“Quando jogamos contra a Holanda, pô, eu não sabia quem era o Cruyff. Quando vi eles jogando contra nós, pensei: Que jogador é esse? Que time é esse? Não havia essa globalizaç­ão que existe hoje. O Zagallo armou o time para o jogo contra eles, mas nós não tínhamos visto eles jogarem.”

Sabendo disso, antes da Copa de 1978, Cláudio Coutinho (1939-1981) resolveu inovar. Convidou Jairo Santos, formando em educação física, mas que fazia um curso militar na Inglaterra, para estudar os adversário­s do Brasil.

“Lá, assistia aos jogos do futebol inglês. Comecei a usar os manuais que eles tinham de como ler o jogo. Fiz estágios no Manchester United, no Ajax”, diz Santos, que trabalhou até a Copa de 2006 como olheiro da seleção brasileira.

Apenas com papel e caneta, ele completava os relatórios de análise dos adversário­s no Mundial da Argentina a partir do modelo inglês, que ele foi adaptando. Segundo Santos,pouco mudou nos anos 1980.

“Analisávam­os ataque e defesa. Os gols de bolas paradas, os chutes a gol. As recuperaçõ­es de bola”, diz Santos.

Aos 72 anos, apesar de continuar apaixonado pelas estatístic­as do futebol, ele exalta o imponderáv­el no futebol.

“Às vezes, pelos números, você toma uma decisão errada, mas ela acaba dando certo. O Josimar, na Copa de 1986, acertou um chute muito improvável”, lembra, citando gol de fora da área marcado pelo lateral na vitória por 3 a 0 sobre a Irlanda do Norte.

Em 1994, antes da disputa por pênaltis na final contra a Itália, Santos passou para o goleiro Taffarel como os italianos costumavam fazer suas cobranças. Com uma exceção.

“Craques como o [Roberto] Baggio não têm um padrão. Eles decidem quase sempre na hora como vão bater, dependendo muito da posição do goleiro”, diz. Por isso, a dica dada era simples. “Que ele tentasse despistar ao máximo.”

O camisa 10 da Itália cobrou muito alto, longe do gol. Erro que deu o tetracampe­onato à seleção brasileira.

Como Santos cuidava apenas dos adversário­s, naquela Copa, Parreira tinha um outro profission­al ao seu lado que media os dados do Brasil.

“O Moraci [Sant’Anna] me ajudou muito. Nós tínhamos o número de passes dos jogadores, as finalizaçõ­es. Tudo no computador dele”, diz o técnico tetracampe­ão mundial.

Segundo Parreira, aquela seleção finalizava 16 vezes por jogo, em média, e dava entre 400 e 500 passes em cada partida, número comparável aos de clubes atuais que prezam muito a posse de bola.

Em relação ao futebol das últimas Copas, que Santos analisou, ele tem algumas certezas. Uma delas é que o contraataq­ue rápido é fundamenta­l. “Em 2014, 83% dos gols em contra-ataques ocorreram em até sete passes”.

Outro ponto essencial, para ele, é a bola parada. “No Mundial do Brasil, 45% dos gols saíram assim”, diz Santos.

Atualmente, não se discute mais se a análise de desempenho é ou não importante. A grande pergunta, ainda mais na Europa, é qual a melhor forma de se usar os dados que os programas de análise de de- sempenho oferecem.

Segundo o professor Israel Teoldo, pesquisado­r da Universida­de de Viçosa (MG), a Alemanha mostrou em 2014 estar na vanguarda da análise de desempenho. A seleção usou princípios de “big data” —análise de um grande conjunto de dados com a ajuda de computador­es— para melhorar o seu futebol.

Na África do Sul, depois de cair nas semifinais do Mundial diante da Espanha, os alemães reuniram-se para avaliar o que havia dado errado. A análise detalhada dos dados indicou um dos caminhos. A velocidade do passe entre os jogadores era lenta.

No Mundial seguinte, a média de tempo em que cada jogador ficava com a bola caiu de 3,4 segundos para 1,1.

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