Folha de S.Paulo

Vai ter Copa

A maioria vai entrar em bolão, fugir mais cedo do trabalho e correr para o bar

- Mariliz Pereira Jorge Jornalista e roteirista de TV, é colunista da Folha desde 2014. Escreve sobre comportame­nto, esporte e atualidade­s S T Q Q S S Juca Kfouri, | Juca Kfouri e Paulo Vinícius Coelho | Tostão | Juca Kfouri | Mariliz Pereira Jorge

Vamos encarar uma coisa: apesar de tudo, e bota “tudo” nisso, a maioria das pessoas vai acompanhar a Copa do Mundo, que começa daqui a 26 dias, na Rússia. O Datafolha mostrou que 42% das pessoas não estão nem aí para o Mundial, mas uma pesquisa do Ibope trouxe número interessan­te: 75% dos entrevista­dos disseram que vão acompanhar os jogos. Uma coisa não invalida a outra.

De um lado, fica claro que as pessoas têm mais o que fazer da vida e estão focadas em seus afazeres, têm ocupado seu tempo

D com assuntos mais relevantes, como problemas políticos e econômicos do país, mas na hora em que a bola começar a rolar, todo mundo vai acabar entrando no clima da festa.

Já vimos esse filme em 2014, e de muito perto. No final de janeiro daquele ano aconteceu a primeira manifestaç­ão “Não vai ter Copa”. Já era um desdobrame­nto do manifesto “Se não tiver direitos, não vai ter Copa”, lançado em dezembro de 2013, no Dia Internacio­nal dos Direitos Humanos, por vários coletivos, movimentos

Paulo Vinícius Coelho e Tostão e cidadãos indignados com a farra que se fazia com o dinheiro público na organizaçã­o do evento, enquanto o Brasil seguia sofrendo com os problemas de sempre.

Foi uma festa quando o país foi escolhido para sediar o Mundial, mas eram anos de abundância e de muita esperança, e dificilmen­te alguém apostaria que, às vésperas do evento, a opinião pública fosse se virar contra o governo petista, que até então surfava em popularida­de.

Todo mundo sabe o que aconteceu. As manifestaç­ões se multiplica­ram e a #nãovaiterC­opa se espalhou pelas redes sociais. Houve quem apostasse que haveria conflitos, confrontos e que o sucesso do evento poderia ser comprometi­do.

Escrevi aqui, nesta Folha, no texto “A Copa dos arrependid­os”, como broxei com o anticlima, não comprei ingressos, passagens para torcer pela seleção e aproveitar para conhecer outros cantos do país. Não fui a única. Sabemos o que aconteceu. O país se rendeu, as manifestaç­ões micaram, cada um torceu como pode, quase todo mundo se divertiu, a Copa foi um sucesso. E só não foi a “Copa das Copas”, como queria Dilma, porque pagamos aquele mico contra a Alemanha.

Acredite. Vai acontecer exatamente a mesma coisa. É difícil acreditar porque, com exceção da turma que vem enchendo álbuns de figurinhas, o clima é pior do que em 2014. Pouco se fala no assunto, nem mesmo em protesto. A Rússia parece tão distante quanto Marte.

Não tem rua pintada, não tem propaganda ufanista, não tem vitrines enfeitadas, não tem camelô vendendo camisetas, não tem promoção em bares. É como se a Copa só fosse acontecer daqui a quatro anos.

Mas acredite, vai ter Copa. E a maioria de nós vai fazer o de sempre, entrar no bolão da empresa, parar no meio do expediente para espiar o jogo da Tunísia contra o Panamá, fugir mais cedo do trabalho, correr para o bar encontrar os amigos, chamar a galera para ver o jogo em casa, e vamos torcer, mesmo que seja contra.

Mesmo sabendo que a Fifa é corrupta, que 1998 foi uma mutreta para que França e Brasil só se encontrass­em na final, e que outras picaretage­ns devem ter sido armadas, que nunca mais vamos cantar “sou brasileiro com muito orgulho blábláblá” porque pega muito mal mesmo.

Mas OK, vamos fazer uma pausa, como se fosse um Carnaval multicultu­ral fora de época, e que só acontece a cada quatro anos, como se fosse um respiro necessário para aguentar uma competição mais séria que vem pela frente, as eleições.

Vai ter Copa, gente. Já quero saber onde vai ter bagunça, porque não vou à Rússia, mas o Del Nero também não (que é o que importa), porque podemos criticar, mas também nos divertir.

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