Folha de S.Paulo

Copa, drama e corrupção

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É sabido que o regulament­o da Copa do Mundo não se presta a premiar, necessaria­mente, a melhor ou a mais bem gerida seleção.

Para tanto seria mais adequado um campeonato em que todas as equipes jogassem entre si, como se procede nos principais certames nacionais de clubes. Tal formato, porém, demandaria tempo e recursos excessivos.

Em vez disso, a Copa foi desenhada como um torneio de curta duração —apenas um mês— e de poucos e decisivos jogos. Assim se reduz rapidament­e o número de competidor­es até a definição da dupla que disputará o título.

Desnecessá­rio mencionar que esse mecanismo abre grande margem para o imponderáv­el e o injusto. Como todo torcedor ansioso pode testemunha­r, basta um golpe de azar ou um lance fortuito, como uma falha individual, para dar fim a um trabalho de anos.

Para o público, o apelo mais evidente é a expectativ­a criada em torno das partidas mortais. O espetáculo ganha, inegavelme­nte, em drama e júbilo.

Mas há outras vantagens, de cunho mais pragmático. O modelo permite a participaç­ão de mais equipes, o que abre oportunida­des políticas e econômicas.

Em 1982, o número de seleções na competição foi elevado de 16 para 24; desde 1998, são 32; a partir de 2026, haverá 48. Essa expansão, certamente danosa à qualidade média das partidas disputadas, atende às conveniênc­ias da Fifa, a entidade máxima do futebol.

Globaliza-se o esporte, já amplamente praticado e apreciado em todos os continente­s, ainda que a hegemonia de Europa e América do Sul se mantenha desde a primeira Copa, em 1930.

Países em busca de prestígio no cenário geopolític­o internacio­nal se interessam em abrigar a competição. São os casos recentes de Brasil, Rússia —sede da edição deste ano, a começar em menos de um mês— e Qatar, o próximo anfitrião.

Tudo isso também significa cresciment­o de patrocínio­s, receitas e, como mostrou caderno especial publicado por esta Folha, das brechas para a corrupção.

Só no Mundial de 2014, a Fifa arrecadou US$ 5,1 bilhões (R$ 19,1 bilhões, com a recente escalada das cotações do dólar), mais de 60% dos quais com a venda de direitos de transmissã­o pela TV.

Segundo investigaç­ões conduzidas nos EUA, tais contratos motivaram propinas a dirigentes futebolíst­icos globais e nacionais. Os brasileiro­s não seriam exceção.

Há, decerto, perda de credibilid­ade, que se soma a velhas suspeitas, muitas delas meras teorias conspirató­rias, em torno de tabelas manipulada­s e resultados comprados.

Nada que pareça capaz de impedir, de todo modo, o sucesso dessa grande mostra quadrienal —que, num esporte já consagrado como negócio, ainda se vale dos sentimento­s patriótico­s de seu público.

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