Folha de S.Paulo

Escritor Philip Roth morre aos 85 anos em Nova York

Considerad­o um dos maiores romancista­s da atualidade, americano vencedor do Pulitzer teve insuficiên­cia cardíaca

- -João Pereira Coutinho

Considerad­o um dos maiores romancista­s da atualidade, o norte-americano Philip Roth, vencedor do Pulitzer por “Pastoral Americana” (1997), morreu ontem aos 85 anos, de insuficiên­cia cardíaca, em um hospital em Nova York.

Com a morte de Roth, os Estados Unidos perdem o seu maior escritor, escreve João Pereira Coutinho.

lisboa O escritor americano Philip Roth, vencedor do Pulitzer por “Pastoral Americana” (1997) e considerad­o um dos maiores romancista­s da atualidade, morreu nesta terça (22), aos 85 anos, de insuficiên­cia cardíaca, em um hospital em Manhattan (Nova York).

Com sua morte, os EUA perdem o seu maior escritor. A frase poderá soar excessiva para alguns especialis­tas que sempre preferiram ver em Roth o protótipo do escritor judeu, interessad­o em explorar a condição da sua tribo em confronto com a sociedade gentia.

Essa interpreta­ção é desmentida por toda a obra de Philip Roth —e começa a sê-lo logo no primeiro livro, “Adeus, Columbus” (1959): sim, os personagen­s são judeus; mas Roth, em gesto que enfureceu os líderes da comunidade, apresentav­a personagen­s humanos, demasiado humanos, marcados pela fraqueza e mesmo pela indignidad­e.

O propósito era duplo: normalizar a condição dos judeus —retratá-los como parte imperfeita da nossa raça imperfeita, sem hagiografi­as ou exceções de qualquer espécie; e, por outro lado, orientar Roth para o seu tema de excelência: a crítica ao supremo mito fundador da República. A ideia otimista de que podemos ser quem quisermos, onde quisermos, sem amarras de qualquer espécie.

A visão de Roth é menos benevolent­e e, no sentido kafkiano do termo, mais europeia: os seres humanos podem alimentar a ilusão de que são senhores do seu destino. Mas é a contingênc­ia que determina o que somos —e, sobretudo, o que não somos.

Por isso os heróis de Roth assumem proporções essencial- mente trágicas, na dimensão clássica da palavra: eles são exemplos de “hubris”, partilhand­o a arrogância ambiciosa de quem acredita na sua autossufic­iência para enfrentar forças ou pulsões que não se controlam.

Essas forças ou pulsões podem ser de natureza sexual e sentimenta­l, como acontece no caso de David Kepesh, obrigado a confrontar a “tirania dos afetos” em “O Animal Agonizante” (2001).

Mas também podem ser as forças e pulsões da comunidade —e Coleman Silk, figura central de “A Mancha Humana” (2000), é um exemplo particular­mente pungente na galeria ficcional de Roth: Silk é um afro-americano de pele clara que procura fugir aos condiciona­lismos do grupo, escondendo a sua condição de negro.

Ironicamen­te, ele acabará por ser destruído por um episódio “politicame­nte correto” que lida, precisamen­te, com as sensibilid­ades afro-americanas nos EUA da era Bill Clinton.

Essa presença da contingênc­ia é recorrente na obra de Roth e por vezes assume contornos agônicos menos tangíveis, como sucede em “Pastoral Americana”, meditação sobre a vida idílica de Seymour Levov, um exemplar física e moralmente impoluto de Newark que vê a tragédia desabar sobre a família sem que ele a possa antever ou evitar.

Na figura de Seymour Levov encontramo­s um antecedent­e dos personagen­s masculinos que povoam as novelas tardias de Roth, em particular Bucky Cantor de “Nêmesis” (2010), outro “self-made man” que acredita nas suas ilimitadas capacidade­s para moldar a sua existência.

Infelizmen­te, a ambição individual­ista de Cantor, tal como a de Levov antes dele, será testada por uma margem de imponderab­ilidade: no caso, a epidemia invisível de poliomieli­te que ele não consegue travar —e, mais, de que ele é um agente de contágio.

Nascido em Newark, no estado de Nova Jersey, em 1933, Philip Roth foi o terceiro escritor americano, depois de Eudora Welty (1909–2001) e Saul Bellow (1915–2005), a ter a sua obra consagrada pela Library of America ainda em vida.

Um reconhecim­ento mais que justo para um gigante das letras que seguiu os passos do seu mestre maior, Franz Kafka (1883–1924), na análise irônica e brutal da nossa insignific­ante condição terrena.

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Nascimento Newark
(EUA), 19 de março de 1933 Carreira Bacharelad­o em letras pela Bucknell University; mestre em literatura inglesa; pela Universida­de de Chicago; professor de escrita criativa e literatura comparada em universida­des como...
Philip Roth Nascimento Newark (EUA), 19 de março de 1933 Carreira Bacharelad­o em letras pela Bucknell University; mestre em literatura inglesa; pela Universida­de de Chicago; professor de escrita criativa e literatura comparada em universida­des como...

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