Folha de S.Paulo

Debate envenenado

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Projeto busca reduzir o período, de fato excessivo, para o registro de agrotóxico­s no país, mas parece imprudente ao esvaziar papel de órgãos técnicos

O nível da discussão na comissão especial da Câmara que examina um projeto lei sobre agrotóxico­s se evidencia pela troca de insultos entre os deputados Valdir Colatto (MDB-SC) e Ivan Valente (PSOL-SP). “Safado”, atirou o primeiro; “vagabundo”, retorquiu o segundo.

O tema suscita paixões exacerbada­s, já se vê, a começar pelo apelido de “Lei do Veneno” adotado por adversário­s do substituti­vo de Luiz Nishimori (PR-PR). O texto proposto, cuja votação foi adiada para o dia 29, flexibiliz­a a aprovação de produtos no país e rebatiza-os como “defensivos fitossanit­ários”.

Qualquer que seja o nome, o registro deles depende hoje de uma decisão interminis­terial, envolvendo as pastas da Agricultur­a, da Saúde (Anvisa) e do Meio Ambiente (Ibama). Caso a nova norma venha a ser aprovada, todo o processo ficaria sob o controle da primeira.

Ao ministério estaria vinculada uma futura Comissão Técnica Nacional de Fitossanit­ários. Aos órgãos de vigilância sanitária e de conservaçã­o ambiental, embora com assentos na CTNFito, seria na prática reservado um papel consultivo.

O texto em debate cria a figura do registro temporário, para o caso de defensivos que contem com licença de pelo menos três países integrante­s da Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE).

Em lugar da proibição de compostos que causem malformaçõ­es fetais, mutações e tumores, o substituti­vo preconiza que a vedação se restrinja àqueles com “risco inaceitáve­l” para os seres humanos ou para o meio ambiente, que permanecem inseguros mesmo após medidas de gestão de risco.

Burocracia e lentidão são os motivos alegados pelos proponente­s para mudar o sistema atual de registro. Com efeito, um produto novo pode demorar até cinco anos para chegar ao mercado, o que parece um período excessivo.

Isso não significa, entretanto, que a legislação brasileira possa ser considerad­a restritiva em demasia. Há agrotóxico­s à venda no país que são proibidos na União Europeia, por exemplo, onde de resto os limites de tolerância para resíduos nos alimentos são também mais rigorosos que aqui.

Ao deixar em aberto o que seja “risco inaceitáve­l” e pôr o processo de registro sob o controle da Agricultur­a, a proposta de Nishimori dá margem para que interesses econômicos pesem mais em decisões sobre ameaças sanitárias e ambientais, quando elas deveriam caber exclusivam­ente a órgãos técnicos, como Anvisa e Ibama.

Se essas repartiçõe­s tardam muito em analisar os processos, conviria em primeiro lugar dotá-las da estrutura e aperfeiçoa­r seus procedimen­tos, e não alijá-las. Não será trocando a denominaçã­o de um produto —sem dúvida importante para as lavouras— que a necessidad­e de averiguar os danos potenciais à saúde vai desaparece­r.

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