Folha de S.Paulo

Banco Central

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas ideias.consult@uol.com.br

A recente decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de manter a taxa Selic em 6,5% mostra como é difícil acomodar gregos e troianos quando Zeus decide se divertir com os arrogantes mortais aumentando a imprevisib­ilidade sobre as circunstân­cias que os envolvem.

Há poucos dias (em 8 de maio), o competente Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central, mostrou ao “mercado” um quadro relativame­nte tranquilo.

Ele chamou a atenção para os dois fatores importante­s na “regra” que intuitivam­ente determina a taxa de juros básica do regime de “metas de inflação” que utilizamos há quase duas décadas: (1) a expectativ­a da taxa de inflação está bem ancorada e há quase um ano abaixo do limite inferior da “meta”; e(2) o ritmo fraco da atividade com um alto desemprego.

Isso sugeria pelo menos mais uma redução de 0,25% da taxa Selic.

O que aconteceu na última semana? Zeus decidiu entreterse. Criou mais confusão: perspectiv­a de aumento da taxa de juros nos EUA e a consequent­e tendência à valorizaçã­o do dólar, o aumento das tensões políticas no Oriente Médio, a elevação dos preços das matérias-primas, particular­mente do petróleo etc.

Os primeiros resultados foram a desvaloriz­ação das moedas dos países emergentes e um aumento do pessimismo sobre a qualidade da ancoragem da expectativ­a inflacioná­ria, o que suspendeu a redução dos juros.

Zeus atingiu o seu intento. Fez com que os dois (o Banco Central e o “mercado”) tivessem, cada um a seu modo, alguma razão. Encerrou-se a “lua de mel” entre o mercado financeiro, que se sentiu traído, e o competente Banco Central, que até então tinha se comunicado amigavelme­nte com ele.

O resultado final dessa melódia é que a curva de juros se deslocou para cima, elevandose no curto e no longo prazo. A taxa de câmbio não perdeu o seu ímpeto e a bolsa revelou uma queda importante. O mercado sancionou, a posteriori, o novo ambiente de maior risco que levou o Banco Central à postura mais conservado­ra.

Tenho a impressão de que o Banco Central avaliou adequadame­nte a enorme incerteza que cerca a economia mundial (a despeito do seu cresciment­o) e, particular­mente, a economia brasileira, diante do nosso pavoroso quadro fiscal.

Quanto à taxa de câmbio, o encurtamen­to da distância entre a taxa de juro externa, somada ao risco Brasil, e a taxa de juro interna (que desestimul­a o “carry trade”) é a favor de um cresciment­o mais equilibrad­o no longo prazo.

O Banco Central tem que usar a sua artilharia apenas para reduzir os efeitos sobre o câmbio da saída do capital especulati­vo que nos frequentav­a, não para fixá-lo.

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