Folha de S.Paulo

Jornalista Alberto Dines morre aos 86 anos em São Paulo

Precursor na crítica da imprensa, ele estava internado devido a uma pneumonia

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são paulo Morreu nesta terçafeira (22) aos 86 anos o jornalista e escritor Alberto Dines, considerad­o um dos principais inovadores da imprensa brasileira e precursor da crítica de mídia.

Ele estava internado no Hospital Albert Einstein (SP) havia dez dias, em decorrênci­a de uma gripe que evoluiu para pneumonia, segundo sua mulher, a jornalista Norma Couri.

Nascido no Rio em 1932, Dines começou na profissão aos 20 anos, como crítico de cinema na revista A Cena Muda. De 1962 a 1973, dirigiu o Jornal do Brasil em um de seus períodos mais inovadores. A reforma do diário carioca, consolidad­a sob sua direção, serviu de modelo para outros veículos brasileiro­s.

Sua resistênci­a à censura da ditadura lhe rendeu, em 1970, um dos prêmios jornalísti­cos mais prestigios­os, o Maria Moors Cabot, da Universida­de Columbia (EUA), e algumas das edições que coordenou entraram para a história.

Entre elas está a de 14 de dezembro de 1968, um dia após a promulgaçã­o do AI-5, ato que endureceu o controle político da ditadura. Na capa do jornal, um pequeno texto em destaque no canto esquerdo superior esquerdo avisa: “Tempo negro. Temperatur­a sufocante. O ar está irrespiráv­el. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máx: 38º, em Brasília. Mín: 5º, nas Laranjeira­s”.

Outra edição simbólica sob sua direção foi a que anunciou a morte do então presidente chileno Salvador Allende, em 1973. Como a ditadura proibia a publicação de manchetes sobre o assunto, Dines fez ir às bancas uma primeira página com longo texto sobre o episódio, mas sem título.

Em 1975, tornou-se diretor da sucursal do Rio da Folha, num momento em que o jornal —antecipand­o o movimento de abertura do então presidente Ernesto Geisel— reforçava sua equipe e abria suas páginas para articulist­as de todas as tendências.

Na Folha, lançou em 1975 a coluna “Jornal dos Jornais”, crítica dos meios de comunicaçã­o no país. “Eu estava vindo do episódio Watergate, nos EUA, e tinha visto a imprensa criar mecanismos de autocrític­a para evitar os excessos, a arrogância de uma imprensa vitoriosa”, relatou ele no projeto História Oral do Banco de Dados da Folha.

Para Dines, “a imprensa é tão perigosa quanto qualquer outro poder quando é arrogante”, e a brasileira “estava muito acomodada à autocensur­a”.

Colegas descrevem-no como uma personalid­ade arestosa, com quem era fácil brigar, mas igualmente fácil se reconcilia­r.

Nos anos 1990, em que assinou também uma coluna na Folha, foi o responsáve­l pela criação do Laboratóri­o de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp, por meio do qual institucio­nalizou a crítica de mídia da qual havia sido precursor na década de 1970.

Lançou o Observatór­io da Imprensa, jornal de debate sobre o jornalismo contemporâ­neo que ganhou edição na internet em 1996 e, em 1998, na TV Educativa do Rio de Janeiro.

Dines se destacou também na área acadêmica e na literatura.

Criou em 1963 a cadeira de jornalismo comparado na Faculdade de Jornalismo da PUC-RJ e, em 1965, a de teoria da imprensa, e foi professor visitante na Universida­de Columbia. Entre 2011 e 2013, lecionou história do jornalismo na ESPM.

“Era um excelente professor, embora não tivesse diploma universitá­rio, e sempre lembrava disso”, diz o professor da Escola de Comunicaçã­o e Artes da USP Eugênio Bucci, coordenado­r do curso da ESPM.

Lançou 15 livros, entre ficção, reportagem e técnicas jornalísti­cas. Ganhou o prêmio Jabuti em 1993 por “Vínculos de Fogo”, e seu livro “O Papel do Jornal” (1974) é uma das mais influentes obras sobre jornalismo no país.

Deixa quatro filhos do primeiro casamento, com Ester Rosali. O velório ocorre nesta quarta (23), às 10h, e o enterro, às 13h30, no Cemitério Israelita em Embu das Artes (SP).

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Ze Carlos Barretta - 3.nov.2014/Folhapress O jornalista Alberto Dines, que morreu nesta terça-feira (22) em São Paulo, em foto de 2014

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