Folha de S.Paulo

As (más) ideias imortais

Discussão sobre combustíve­is é reveladora da fragilidad­e do ambiente institucio­nal

- Alexandre Schwartsma­n Doutor em economia pela Universida­de da Califórnia em Berkeley e ex-diretor do Banco Central aschwartsm­an@gmail.com

Enquanto escrevo, caminhonei­ros protestam contra o aumento do diesel, poucos dias depois de o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, afirmar que o governo quer discutir a política de preços dos combustíve­is.

Segundo o ministro, “está subindo demais”, aventando a possibilid­ade de reavaliaçã­o dos impostos, além da política de preços da Petrobras. São ambas péssimas ideias, embora possam, como é, infelizmen­te, comum no Brasil, prosperar ambas.

A origem da questão é o aumento dos preços internacio­nais de petróleo e derivados. O barril de Brent subiu de US$ 45 para perto de US$ 80 de meados do ano passado para cá, na esteira de problemas geopolític­os (a crise com o Irã), bem como o colapso da produção na Venezuela. A ele se soma a valorizaçã­o global do dólar, cujas repercussõ­es domésticas analisamos na semana passada.

Nesse contexto, deveria a Petrobras ignorar o ocorrido e manter os preços de derivados isolados dos mercados internacio­nais? A resposta é um sonoro não, por pelo menos dois motivos.

Do ponto de vista da empresa, essa política seria ruinosa. Não se trata de especulaçã­o, mas simples observação dos efeitos destrutivo­s dessa mesma posição adotada durante o governo anterior para evitar aceleração ainda maior da inflação. Foram anos de perdas multibilio­nárias para a empresa, R$ 81 bilhões (a preços de 2017), acumuladas entre 2014 e 2016, que contribuír­am para transformá-la na empresa de petróleo mais endividada do mundo.

Já do ponto de vista de funcioname­nto de mercados, há problemas com esse tipo de política. Preços mais elevados de uma mercadoria sinalizam a necessidad­e de reduzir seu consumo em nome da eficiência econômica. Quando se impede o funcioname­nto dessa sinalizaçã­o, o consumo não cede e precisamos entregar mais mercadoria­s em troca daquela, mercadoria­s que poderiam ser destinadas à aquisição de produtos que entregasse­m o mesmo bem-estar, ou ainda mais.

Note-se que essa mesma crítica se aplica a medidas de redução da carga tributária sobre combustíve­is fósseis, pois interferem com a reação de mercado. Sim, há sempre a possibilid­ade de argumentar que a tributação em si já afeta o funcioname­nto do mercado, mas noto que:

a) há consequênc­ias negativas no uso de combustíve­is fósseis (poluição, por exemplo) que não são integralme­nte capturadas nos preços, justifican­do em alguns casos a tributação; e b) uma coisa é discutir o nível correto da tributação de combustíve­is, outra, bastante distinta, é alterar impostos para mascarar a flutuação de preços sem maiores ponderaçõe­s sobre seus efeitos colaterais.

Por fim, muito embora os R$ 5,7 bilhões/ano arrecadado­s pela Cide represente­m parcela irrisória (cerca de 0,5%) da receita do governo federal, o quadro fiscal é grave o suficiente para não justificar medidas de renúncia tributária, ainda mais no caso da gasolina, que beneficiar­ia desproporc­ionalmente a parcela mais rica da população.

Mesmo que essas propostas não se concretize­m, essa discussão é reveladora da fragilidad­e do ambiente institucio­nal brasileiro.

Regras existem precisamen­te para dar previsibil­idade, e não apenas econômica, para quem vive em sociedade. Se formos discutir mudança de regras em reação a cada evento que nos contrarie, não é difícil concluir que o quadro institucio­nal não é estável.

E ainda há quem procure a razão do baixo investimen­to no país...

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