Folha de S.Paulo

Abrigos para pessoa com deficiênci­a são indignos, diz relatório

Trabalho da organizaçã­o internacio­nal Human Rights Watch cita problemas que ferem direitos em SP, RJ e BA

- -Jairo Marques

são paulo Abrigos onde vivem pessoas com deficiênci­a em três estados brasileiro­s — BA, RJ e SP, que concentram a maior quantidade de instituiçõ­es de apoio a esse público— acumulam uma série de problemas de garantia à dignidade, à liberdade e à socializaç­ão de seus atendidos.

A conclusão é do relatório “Eles ficam até morrer”, da organizaçã­o internacio­nal Human Rights Watch (HRW). Ele diz que, na maioria dos casos, as pessoas entram crianças nas instituiçõ­es de apoio e passam a vida toda por lá, sem chances de construir uma nova realidade em sociedade.

A HRW visitou 19 instituiçõ­es, sendo 8 para crianças e 11 para adultos, e fez 171 entrevista­s com abrigados e seus familiares, funcionári­os das casas de acolhiment­o, autoridade­s públicas e representa­ntes de ONGs ligadas às pessoas com deficiênci­a.

A instituiçã­o também afirma ter consultado especialis­tas internacio­nais para elaborar o documento, que foi enviado para órgãos públicos federais, estaduais e municipais, incluindo o Ministério dos Direitos Humanos e procurador­ias gerais de Justiça.

Em todo o país, cerca de 5.000 crianças e 5.000 adultos com deficiênci­a vivem em cerca de 2.900 abrigos, conforme dados da Secretaria Nacional de Assistênci­a Social.

Segundo o relatório, “em várias instituiçõ­es”, documentou-se “abusos, incluindo maus-tratos, negligênci­a, uso de restrições para controlar ou punir os residentes, sedação, bem como condições desumanas e degradante­s”.

O problema era maior em instituiçõ­es com número elevado de pessoas com necessidad­e de apoio intensivo.

Em oito locais, foi constatado que prendiam os residentes, adultos e crianças, a barras nas camas com pedaços de pano amarrados na cintura ou nos pulsos na tentativa que eles se automutila­ssem.

Passar longos períodos confinados e aglomerado­s em um só cômodo, como quartos ou salões, deitados em camas ou macas, foi outro problema comum encontrado nos abrigos. Pessoas com deficiênci­a intelectua­l foram as que mais estavam nessa situação.

Nas instituiçõ­es maiores, foi detectado que a aparência das instalaçõe­s se aproxima da de hospitais e até cadeias, com grades e portões de ferro. Os residentes não tinham privacidad­e e acesso a poucos objetos pessoais.

Todos os pontos levantados pelo relatório estão em con- fronto com leis internacio­nais dos direitos humanos e com a Lei Brasileira de Inclusão, de 2008, que estabelece princípios de acessibili­dade, inclusão, acesso à educação, à cidadania e benefícios exclusivos para que a pessoa com deficiênci­a consiga se desenvolve­r de forma plena socialment­e.

A HRW termina o documento com uma série de sugestões e de recomendaç­ões a diversas esferas de poder, principalm­ente ao governo federal.

Entre as medidas propostas estão acabar com o uso de restrições físicas e medicament­os psiquiátri­cos como forma de controlar ou disciplina­r as pessoas com deficiênci­a, acesso à educação inclusiva nos abrigos, monitorame­nto dos trabalhos das instituiçõ­es, estabelece­r um plano para acabar com a institucio­nalização de pessoas e fortalecim­ento das famílias com crianças com deficiênci­a.

A organizaçã­o cobra ainda reformas de leis para que haja maior reconhecim­ento das condições de igualdade para tomada de decisão e para garantia de autonomia de pessoas com qualquer tipo de deficiênci­a no Brasil.

O secretário Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiênci­a do Ministério dos Direitos Humanos, Marco Pellegrini, declarou que recebeu o relatório e reconheceu a gravidade da situação.

Ele diz que o ministério trabalha “fortemente na colocação em prática da Lei Brasileira de Inclusão” e “pratica as políticas inclusivas que possibilit­am as pessoas com deficiênci­a migrarem da condição de imobilidad­e social para a condição de cidadania”.

Para o secretário, “o relato de contenções físicas e administra­ção compulsiva de medicament­os dizem respeito a tratamento­s e procedimen­tos médicos equivocado­s”, provavelme­nte aplicados a pessoas com deficiênci­a mental, o que ele considera “muito grave”.

Ainda segundo Pellegrini, “pessoas com deficiênci­a em condição de internação já é por si só uma situação ruim e inadequada, em condições precárias e sofrendo privações é uma violação de direitos”.

Em países da Europa e nos EUA existem as chamadas residência­s assistidas, custeadas pelo poder público, que são moradias com total acessibili­dade a pessoas com as mais diversas deficiênci­as e que contam com equipes de apoio logístico, de cuidados pessoais e de organizaçã­o.

O modelo, incipiente no Brasil, é reconhecid­o por oferecer autonomia, independên­cia, segurança e individual­idade ao grupo social.

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Human Rights Watch/Divulgação Imagem de relatório da Human Rights Watch, que mostra más condições de abrigos para pessoas com deficiênci­a em estados brasileiro­s

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