Folha de S.Paulo

O tempo não passa

O futebol mudou muito mais na estratégia do que na prancheta

- Tostão Ex-médico, participou como jogador das Copas do Mundo de 1966 e 1970

Iniesta se despediu do Barcelona, mas não da bola. Estará na Copa do Mundo da Rússia. O futebol nunca vai esquecêlo. Ele faz parte do passado, do presente e do futuro. Iniesta trata tão bem a bola, que ela, agradecida, beija seus pés. Ele e Xavi se completara­m. Xavi era mais tático, tinha mais o domínio do jogo. Era o roteirista do espetáculo. Iniesta é o artista, além de ter uma ótima técnica. Não existe arte sem técnica.

Iniesta brilha de uma intermediá­ria à outra. Se tivesse sido formado no futebol brasileiro, o teriam escalado de meia ofensivo e exigiriam que entrasse mais na área, que fizesse mais gols. Não seria o grande Iniesta. A evolução do futebol, nas últimas décadas, mais intensa depois da Copa de 2002, foi muito mais de estratégia e de velocidade do que da prancheta.

No sábado, na final da Liga dos Campeões, veremos dois modernos e diferentes times. O Real Madrid, com um estilo equilibrad­o entre a ousadia e a prudência, contra o Liverpool, uma equipe explosiva, que corre mais riscos.

O moderno 4-2-3-1 é quase idêntico ao tradiciona­l 4-4-2. Nas duas formações, os times se defendem com duas linhas de quatro e deixam dois jogadores mais adiantados.

Da mesma forma, o atual 4-1-4-1 é quase igual ao 4-33, pois, nos dois sistemas, as equipes possuem um volante mais centraliza­do e mais recuado, um armador de cada lado e dois jogadores pelas pontas, além de um centroavan­te.

Desde os anos 1960, muitos times atuam com três zagueiros e dois alas, porém, com estratégia­s bem diferentes.

Enquanto o Atlético-PR adiantou a marcação, tentou trocar passes no campo do adversário e, com frequência, perdeu a bola, o Fluminense recuou, marcou com uma linha de cinco e outra de quatro e contra-atacou com velocidade, para aproveitar os enormes espaços deixados na defesa do time paranaense.

Assim como “Dom Quixote”, escrito por Miguel de Cervantes, no século 16, é considerad­o o início do romance moderno, a seleção de 1970 foi o início do futebol atual, pelo menos no Brasil, por unir ciência e planejamen­to com inventivid­ade e improvisaç­ão, o talento individual com o coletivo e com a preparação física.

A seleção brasileira da Copa do Mundo de 1970 foi revolucion­ária, mas não foi perfeita. Nas últimas décadas, todos os times que jogam com um trio no meio-campo possuem um volante mais recuado, centraliza­do, entre dois armadores, que atacam e defendem. Na seleção de 1970, foi diferente. Gérson, o armador mais criativo, o maestro do time, jogava pelo meio, entre o volante Clodoaldo, um pouco mais atrás, e o meia Rivellino, um pouco mais à frente. Formavam uma diagonal, um trio torto.

Faltava um armador pela di- reita. Essa ausência foi compensada porque Jairzinho, um superatlet­a, além de entrar em diagonal, da direita para o centro, para fazer gols, voltava para marcar, formando um quarteto com Clodoaldo, Gérson e Rivellino. O time saía do 4-3-3 para o 4-4-2.

No segundo gol do Brasil, contra o Uruguai, Jairzinho recuperou a bola perto da área do Brasil, tocou para Pelé, que tocou para mim, que lancei para Jairzinho receber perto da outra área. Enquanto os uruguaios atacavam, os três atacantes brasileiro­s estavam no campo do Brasil, e Jairzinho correu de uma área à outra para fazer o gol. Nada mais moderno.

Muitas coisas antigas são modernas, e muitas coisas atuais estão ultrapassa­das. Como diz um tango, “o tempo não passa, nós é que passamos”.

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