Folha de S.Paulo

Comunidade­s tradiciona­is e produtores disputam reservas ambientais na BA

Grupos dizem que produtores rurais estão grilando terras ocupadas há mais de 200 anos; associação de agricultor­es nega ilegalidad­es

- -Patrícia Campos Mello e Avener Prado

correntina (ba) A Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Bahia denunciou o aumento de conflitos fundiários envolvendo comunidade­s tradiciona­is e grandes proprietár­ios de terra no Oeste da Bahia. Segundo a CPT, grandes produtores estão “grilando” terras ocupadas há mais de 200 anos por comunidade­s tradiciona­is, para declará-las como áreas de reserva legal.

Os conflitos teriam sido exacerbado­s a partir da aprovação do novo Código Florestal, em 2012, que permitiu aos proprietár­ios rurais registrar áreas distantes de suas terras como reserva legal, desde que estejam no mesmo bioma e mesma bacia hidrográfi­ca.

Essas comunidade­s tradiciona­is, chamadas de fecho de pasto, mantêm agricultur­a de subsistênc­ia nos vales, perto dos rios, e usam terras devolutas (públicas) nos chapadões , de forma comunitári­a, para o gado pastar. Os “fechos de pastos” são grandes extensões de terras com vegetação nativa de cerrado de uso comum por comunidade­s camponesas.

“Formalment­e, as fazendas cumprem a lei ambiental. Na prática, já tinha gente morando nas áreas declaradas ou eram terras devolutas usadas pelas comunidade­s para soltar o gado”, diz Marcos Rogério dos Santos, 36, presidente da associação Ambientali­sta Corrente Verde.

Segundo Luciana Khoury, promotora de Justiça ambiental e coordenado­ra do núcleo de defesa da bacia do São Francisco, a situação é “grave”. “Houve aumento no número e na gravidade dos conflitos fundiários e por água por causa da seca prolongada.”

Na comunidade de Capão do Modesto, foi instaurado inquérito contra os proprietár­ios que contratara­m seguranças armados para impedir que os habitantes locais entrem nas terras comunitári­as para soltar o gado.

Antônio dos Santos Silva, 44, líder da comunidade de Capão do Modesto, já registrou 11 BOs na delegacia de Correntina, por ameaças de morte. Ele e seu pai, Limírio, 76, plantam mandioca, feijão Marcos Rogério dos Santos presidente da associação Corrente Verde Associação de Agricultor­es e Irrigantes da Bahia e milho no vale e, cinco meses por ano, soltam o gado nas terras coletivas. Agora, segundo ele, proprietár­ios cercaram as áreas e não deixam as pessoas da comunidade trazerem o gado de volta.

“Toda minha família fazia isso, sempre usamos essas terras”, diz Silva. “As próximas gerações provavelme­nte não vão conhecer onde nós e nossos avós moraram.”

Segundo Mercedes Bustamante, professora do Departamen­to de Ecologia da UnB, as comunidade­s de fundo e fecho de pasto são retratadas na obra “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. O sertão são os chapadões e as veredas, os vales.

Produtores da região negam as acusações. Em nota, a Associação de Agricultor­es e Irrigantes da Bahia (Aiba) afirmou que as acusações de grilagem são levianas e caluniosas. “Todos os associados adquiriram as propriedad­es rurais de maneira legal e possuem documentaç­ão registrada em cartório público, obedecendo todos os requisitos legais”, diz a entidade. “A Aiba lamenta o fato de alguns grupos, com interesses escusos, tentarem estabelece­r um conflito entre agricultor­es e comunidade­s tradiciona­is.”

Segundo Abeltânia de Souza Santos, agente da CPT na região, a comissão quer que seja realizada vistoria nas áreas apresentad­as como reserva legal das propriedad­es, para verificar a autenticid­ade dos documentos apresentad­os pelos proprietár­ios.

A região de Correntina foi palco de um grande conflito em novembro de 2017. Cerca de mil pequenos agricultor­es ocuparam a Fazenda Igarashi e destruíram suas instalaçõe­s. Eles culpam a fazenda pela baixa na vazão do rio Arrojado, que está inviabiliz­ando a agricultur­a dos ribeirinho­s.

Formalment­e, as fazendas cumprem a lei ambiental. Na prática, já tinha gente morando nas áreas declaradas ou eram terras devolutas usadas pelas comunidade­s para soltar o gado

Todos os associados adquiriram as propriedad­es rurais de maneira legal e possuem documentaç­ão registrada em cartório público

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Avener Prado - 4.mai.18/Folhapress Pequenos agricultor­es usam fogo para limpar terreno em Correntina (BA)

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