Folha de S.Paulo

Para evitar flagrante, criminosos trocam as ruas por boates

- Gustavo Fioratti

Outro fator tem dificultad­o as investigaç­ões: o recrudesci­mento do combate e o medo de flagrantes está empurrado o crime para dentro de estabeleci­mentos.

Um exemplo é a região do Terminal de Cargas Fernão Dias, na região norte de São Paulo, onde a exploração sexual havia sido identifica­da por mapeamento policial, mas que hoje não apresenta nenhum movimento suspeito.

As vias no bairro da Luz, no centro, e o largo 13 de Maio, na região sul, foram apontados por policiais civis e militares como lugares de risco.

Seguindo a orientação das duas corporaçõe­s, a reportagem escolhe uma boate próxima ao largo 13 de Maio para observar. Logo na entrada, há um aviso de que exploração sexual de menores é crime.

Lá dentro, garotas com ar adolescent­e e que se declaram maiores. Tanto o serviço sexual das moças como as bebidas são registrado­s em uma comanda, e há quartos nos fundos do estabeleci­mento. Ao final, o cliente paga tudo o que for “consumido”.

Segundo uma mulher que frequenta o local, a casa exige que todas que trabalham lá mostrem o RG para a gerência —o que a reportagem não conseguiu comprovar durante foi o tempo pelo qual a Secretaria de Segurança Pública monitorou suspeitos de disseminar conteúdo pornográfi­co infantil na web antes de deflagrar a maior operação do tipo já realizada cerca de uma hora, período em que meninas chegavam à boate.

Bem próximo ao Mercado Municipal, moças de aparência ainda mais jovem circulam sempre perto das portas de casas noturnas.

Uma delas se aproxima do carro utilizado pela reportagem e, ao ser questionad­a sobre sua idade, diz ter 18 anos. Também informa que sua residência é em Atibaia, no interior paulista. Esse é um indício de minoridade, segundo G., prostituta de uma casa vizinha: muitas vêm de fora por medo de atuar onde podem ser reconhecid­as.

No interior de uma das casas (em todas é permitido fumar, sinal da ausência de policiamen­to e fiscalizaç­ão), uma menina diz ser de Santos; outra, de Campinas, conta que odeia a atividade, mas não vê outra forma de levar a vida.

Os clientes, observados durante duas horas, não pedem para ver a identidade.

Essas meninas, às vezes, caem na rede tentando escapar de uma realidade familiar igualmente trágica.

É o caso de M.G.S., que, aos 17, aceitou trabalho em uma boate em Lençóis Paulistas para fugir da violência do ex-marido, segundo sua denúncia.

No processo que condenou os acusados em segunda instância, está descrito que M.G.S. trabalhava no bar de J.A.S. e C.F.B.A, onde cobrava R$ 100 por programa. Os donos da casa recebiam R$ 20 pelo quarto.

Mas M.G.S. se endividou com os proprietár­ios, que passaram a trancá-la dentro de um cômodo, “motivo pelo qual [a vítima] decidiu contatar a polícia por telefone”, diz documento no Tribunal de Justiça de São Paulo.

O círculo social dos vulnerávei­s poderia ser um escudo. Mas “muitas vezes quem tem a função de impedir que aquilo aconteça faz vista grossa, sabendo que por trás há o crime organizado”, diz Castiglion­e.

“Mesmo quando a pessoa não concorda com aquilo, ela sabe que pode haver retaliação. A população tem medo de denunciar”, conclui.

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