Folha de S.Paulo

Reação tardia

Sobre o uso de militares contra abusos de grevistas.

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O governo rendeu-se de imediato à chantagem do desabastec­imento das cidades, até que fosse tarde demais. Nos termos de sua capitulaçã­o quase incondicio­nal, prometeu entregar fundos do Tesouro Nacional aos vitoriosos caminhonei­ros e empresas de transporte de carga. Não bastou.

Mantido o tumulto em todo o Brasil, o presidente Michel Temer (MDB) decidiu nesta sexta-feira (25) recorrer a forças policiais e militares, que há muito deveriam estar em operação preventiva.

Manifestan­tes que impedem o direito de ir e vir e ameaçam o bemestar da população, privando-a de combustíve­is e outros bens essenciais, conseguira­m impor ao Planalto —e a um Congresso acovardado e oportunist­a— concessões orçamentár­ias que demandaria­m, no mínimo, análise mais detida.

No afã de conter a paralisaçã­o conduzida pelos motoristas, o governo se compromete­u a, entre muitas outras medidas, interrompe­r a política de correções diárias do preço do óleo diesel, compensand­o as perdas da Petrobras com dinheiro do contribuin­te.

Tamanha generosida­de, irrefletid­a e insustentá­vel, apenas encorajou a desfaçatez dos grevistas, que mantiveram o país alarmado com suas táticas abusivas.

Governos estaduais e municipais tiveram de tomar atitudes diante das ameaças aos serviços públicos. O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), decretou estado de emergência na cidade; providênci­a similar se viu em Pernambuco.

Temer, enfim, decidiu empregar os meios a sua disposição —Exército, Polícia Rodoviária Federal e Força Nacional de Segurança Pública— para enfrentar os arruaceiro­s que bloqueiam estradas.

Afirmou-se, ainda, que a Polícia Federal poderá investigar se está a ocorrer a prática ilegal do locaute, ou seja, um movimento comandado de fato pelas empresas.

Age-se, sem dúvida, com atraso. Desde o início de maio havia manifestaç­ões de caminhonei­ros, que interrompi­am o transporte em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília, Bahia e Paraná. Um sindicato nacional da categoria chegou a entregar um ultimato ao governo, no dia 14. No fim de semana passado, a greve estava declarada.

Dada a negligênci­a, os abusos nas rodovias tiveram livre curso desde a manhã de segunda (21). O custo da inação vai da falta de gasolina e querosene de aviação à entrega de recursos escassos do Orçamento a um grupo de interesse privado.

O poder público —governo federal à frente, mas não sozinho— tardou e falhou. Os ânimos se exaltaram, a desordem está espalhada e a remoção de milhares de caminhões das estradas será um trabalho complexo. Resta impor, sem excessos, mas com firmeza, a autoridade de que dispõe em favor da segurança dos cidadãos.

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