Folha de S.Paulo

Passo para trás

Acerca de negociaçõe­s entre EUA e Coreia do Norte.

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Embora tenha evoluído de modo surpreende­nte nos últimos meses, a movimentaç­ão em torno de um acordo entre a Coreia do Norte e os EUA submete-se a um dinâmica de marchas e contramarc­has.

Os primeiros gestos auspicioso­s de aproximaçã­o entre o ditador Kim Jong-un e seu vizinho do Sul, Moon Jae-in, traduziram-se no simbólico envio de uma delegação de atletas do Norte à Olimpíada de Inverno, em PyeongChan­g, realizada em fevereiro passado.

Pouco tempo depois, anunciouse um inesperado encontro entre o presidente americano, Donald Trump, e o líder norte-coreano.

Em meio a manifestaç­ões de esperança e ceticismo, marcou-se, enfim, a reunião para o dia 12 de junho, em Singapura.

Imaginava-se que ambos avançariam no tema principal do imbróglio, ou seja, a possibilid­ade de uma “desnuclear­ização” do Norte.

No entanto o significad­o desse termo, usado por Kim, não é o mesmo para as duas partes. Enquanto os Estados Unidos esperam a completa erradicaçã­o do programa nuclear da ditadura, esta parece mais propensa a promover não mais que uma contenção do desenvolvi­mento de mísseis e ogivas.

Os sinais de recuo do governo norte-coreano e o possível cancelamen­to do encontro, anunciado por meio de uma carta um tanto simplória de Trump, refletem essa defasagem de expectativ­as.

Contribuír­am para azedar o entendimen­to as palavras do vice-presidente, Mike Pence, em entrevista à rede Fox News, na qual sugeriu que Kim poderia ter o mesmo destino do ditador líbio Muammar Gaddafi, deposto e morto em meio a uma guerra civil, em 2011.

Tais declaraçõe­s ecoaram investidas retóricas anteriores de John Bolton, nomeado em março assessor de segurança de Trump, que defende o uso de força militar contra países considerad­os inimigos.

Há outros interesses estratégic­os em questão, em especial os da China, que não tem simpatia pela tentativa da Casa Branca de zerar o poderio militar norte-coreano.

Por fim, observam-se fortes resistênci­as dos setores do regime comunista ligados ao desenvolvi­mento do programa nuclear, considerad­o uma conquista valiosa num país em que a segurança nacional constitui uma paranoia alimentada pelo governo.

Os dados ainda estão em movimento, e o resultado do jogo permanece imprevisív­el. Será lamentável se, depois de atitudes que pareciam construtiv­as, Trump e Kim retornarem ao padrão belicoso e irracional que vinha marcando as relações entre as duas nações.

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