Simplesmente complexo
Jogando diesel nas eleições
são paulo Bastou os caminhoneiros pararem por alguns dias para a sociedade ver-se à beira do colapso.
Combustíveis foram o primeiro item a desaparecer, mas produtos perecíveis também sumiram de algumas prateleiras. Serviços essenciais como transporte público, coleta de lixo, policiamento foram reduzidos. E, como é difícil fazer a imaginação parar de trabalhar, logo projetamos situações em que a falta de insumos paralisaria hospitais, termelétricas, o abastecimento de água etc. Prolongue a greve por alguns dias e retornamos à Idade da Pedra.
Como nos tornamos tão vulneráveis? A resposta é simples: complexidade. Há poucas coisas mais complexas do que o funcionamento de uma economia que conecta em redes cada vez mais interdependentes milhões de agentes que atuam de forma autônoma. A ação estratégica de um único indivíduo —um erro de operação em Itaipu, por exemplo— pode parar o país inteiro.
Não nos pusemos nessa posição de fragilidade a troco de nada. A complexidade tem uma face mais positiva que aparece no desenvolvimento tecnológico e na produtividade. As interdependências que nos tornam reféns do imponderável também fazem com que avanços, mesmo que incrementais, tenham impacto positivo exponencial.
A rapidez do computador para fazer contas permite a criação de programas mais sofisticados, que ajudam a produzir componentes mais eficientes, que melhoram a performance dos computadores, que... Ao final do processo, produzimos mais utilizando cada vez menos recursos, o que é a definição de prosperidade.
Essa dupla natureza da complexidade fez com que surgissem nos últimos anos tanto profetas do caos, como o matemático John Casti, que preveem o colapso global, quanto médiuns da abundância, a exemplo de Ray Kurzweil e Peter Diamandis, que apostam que estamos próximos do nirvana tecnológico. O mais intrigante é que as duas correntes antagônicas podem estar certas. Os caminhoneiros mostraram o poder que têm. Em poucos dias de protesto, começou a faltar combustível, o preço de alimentos subiu, remédios sumiram de prateleiras. Temer decidiu chamar, de novo, os militares, criando um fato político maior.
Antes mesmo da decisão do presidente, a crise do combustível tendia a se tornar o eixo da pré-campanha eleitoral. Com isso, qualquer candidatura governamental sofreria desgaste, pois ainda que a intervenção das forças de segurança afugente o caos, dificilmente o Planalto será perdoado por ter deixado a situação chegar onde chegou.
À direita do governo, Jair Bolsonaro (PSL) postou vídeos de apoio ao movimento grevista. Por outro lado, há fotos, na internet, de caminhoneiros paralisados, pedindo intervenção militar. Parece contraditório, mas certa radicalização reivindicativa combina com a fantasia de que uma autoridade forte seja capaz de resolver tudo por cima.
Evitando compromisso com a paralisação, os candidatos mais ao centro buscaram mostrar moderação. Geraldo Alckmin (PSDB) acha que “faltou diálogo” e defendeu reajustes espaçados e previsíveis do diesel. Na mesma linha, Marina Silva (Rede) criticou o Executivo por não se antecipar aos fatos.
Do outro lado da cerca ideológica, Ciro Gomes (PDT) afirmou que a atual política de preços da Petrobras contraria a sua razão de ser, que é a de servir aos interesses do país, não a de seus acionistas. Chegou a dizer que a companhia seria reestatizada, caso vencesse a eleição. A nota do PT, cujo candidato está preso em Curitiba, vai um pouco mais longe, declarando que o protesto era “justo”, depois de 229 aumentos de preço em dois anos.
Guilherme Boulos (PSOL) também deu solidariedade aos caminhoneiros, mas sem mencionar, como fizeram os petistas, que grandes empresas de transporte “se aproveitaram do movimento para realizar um locaute”. O candidato mais à esquerda tampouco se ocupou de alertar para a possibilidade de “aventuras autoritárias”, o que consta do texto emitido pelos apoiadores de Lula.
Em condições normais, o eleitorado tenderia a escolher aquele em quem identificasse maiores chances de, no futuro, evitar situações como esta. No contexto atual, os desdobramentos são imprevisíveis.
Diante do que tenho escrito nesta coluna, devo assinalar que a prisão do ex-governador mineiro começa a equilibrar a triste balança de punições imposta pela Justiça aos três maiores partidos do país. A inclusão dos tucanos no rol dos detidos, na qual só havia petistas e emedebistas, parece fazer parte de uma busca de legitimidade que se acentuou com a prisão de Lula. Vamos ver até onde vai.