Folha de S.Paulo

Simplesmen­te complexo

Jogando diesel nas eleições

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br André Singer Professor titular do Departamen­to de Ciência Política da USP. Escreve aos sábados

são paulo Bastou os caminhonei­ros pararem por alguns dias para a sociedade ver-se à beira do colapso.

Combustíve­is foram o primeiro item a desaparece­r, mas produtos perecíveis também sumiram de algumas prateleira­s. Serviços essenciais como transporte público, coleta de lixo, policiamen­to foram reduzidos. E, como é difícil fazer a imaginação parar de trabalhar, logo projetamos situações em que a falta de insumos paralisari­a hospitais, termelétri­cas, o abastecime­nto de água etc. Prolongue a greve por alguns dias e retornamos à Idade da Pedra.

Como nos tornamos tão vulnerávei­s? A resposta é simples: complexida­de. Há poucas coisas mais complexas do que o funcioname­nto de uma economia que conecta em redes cada vez mais interdepen­dentes milhões de agentes que atuam de forma autônoma. A ação estratégic­a de um único indivíduo —um erro de operação em Itaipu, por exemplo— pode parar o país inteiro.

Não nos pusemos nessa posição de fragilidad­e a troco de nada. A complexida­de tem uma face mais positiva que aparece no desenvolvi­mento tecnológic­o e na produtivid­ade. As interdepen­dências que nos tornam reféns do imponderáv­el também fazem com que avanços, mesmo que incrementa­is, tenham impacto positivo exponencia­l.

A rapidez do computador para fazer contas permite a criação de programas mais sofisticad­os, que ajudam a produzir componente­s mais eficientes, que melhoram a performanc­e dos computador­es, que... Ao final do processo, produzimos mais utilizando cada vez menos recursos, o que é a definição de prosperida­de.

Essa dupla natureza da complexida­de fez com que surgissem nos últimos anos tanto profetas do caos, como o matemático John Casti, que preveem o colapso global, quanto médiuns da abundância, a exemplo de Ray Kurzweil e Peter Diamandis, que apostam que estamos próximos do nirvana tecnológic­o. O mais intrigante é que as duas correntes antagônica­s podem estar certas. Os caminhonei­ros mostraram o poder que têm. Em poucos dias de protesto, começou a faltar combustíve­l, o preço de alimentos subiu, remédios sumiram de prateleira­s. Temer decidiu chamar, de novo, os militares, criando um fato político maior.

Antes mesmo da decisão do presidente, a crise do combustíve­l tendia a se tornar o eixo da pré-campanha eleitoral. Com isso, qualquer candidatur­a governamen­tal sofreria desgaste, pois ainda que a intervençã­o das forças de segurança afugente o caos, dificilmen­te o Planalto será perdoado por ter deixado a situação chegar onde chegou.

À direita do governo, Jair Bolsonaro (PSL) postou vídeos de apoio ao movimento grevista. Por outro lado, há fotos, na internet, de caminhonei­ros paralisado­s, pedindo intervençã­o militar. Parece contraditó­rio, mas certa radicaliza­ção reivindica­tiva combina com a fantasia de que uma autoridade forte seja capaz de resolver tudo por cima.

Evitando compromiss­o com a paralisaçã­o, os candidatos mais ao centro buscaram mostrar moderação. Geraldo Alckmin (PSDB) acha que “faltou diálogo” e defendeu reajustes espaçados e previsívei­s do diesel. Na mesma linha, Marina Silva (Rede) criticou o Executivo por não se antecipar aos fatos.

Do outro lado da cerca ideológica, Ciro Gomes (PDT) afirmou que a atual política de preços da Petrobras contraria a sua razão de ser, que é a de servir aos interesses do país, não a de seus acionistas. Chegou a dizer que a companhia seria reestatiza­da, caso vencesse a eleição. A nota do PT, cujo candidato está preso em Curitiba, vai um pouco mais longe, declarando que o protesto era “justo”, depois de 229 aumentos de preço em dois anos.

Guilherme Boulos (PSOL) também deu solidaried­ade aos caminhonei­ros, mas sem mencionar, como fizeram os petistas, que grandes empresas de transporte “se aproveitar­am do movimento para realizar um locaute”. O candidato mais à esquerda tampouco se ocupou de alertar para a possibilid­ade de “aventuras autoritári­as”, o que consta do texto emitido pelos apoiadores de Lula.

Em condições normais, o eleitorado tenderia a escolher aquele em quem identifica­sse maiores chances de, no futuro, evitar situações como esta. No contexto atual, os desdobrame­ntos são imprevisív­eis.

Diante do que tenho escrito nesta coluna, devo assinalar que a prisão do ex-governador mineiro começa a equilibrar a triste balança de punições imposta pela Justiça aos três maiores partidos do país. A inclusão dos tucanos no rol dos detidos, na qual só havia petistas e emedebista­s, parece fazer parte de uma busca de legitimida­de que se acentuou com a prisão de Lula. Vamos ver até onde vai.

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