Folha de S.Paulo

Estrela de Davi, machado de Xangô

- Alvaro Costa e Silva

rio de janeiro Desapareci­da para a abertura da avenida Presidente Vargas, a praça Onze se tornou um dos lugares do Rio mais citados em música (só perde para a Lapa). O samba de Herivelto Martins e Grande Otelo é o mais conhecido: “Vão acabar com a praça Onze/ Não vai haver mais escola de samba, não vai”, referência aos primeiros desfiles realizados perto da famosa balança, um posto de reabasteci­mento no qual se pesavam as cargas trazidas de outros estados para consumo do carioca.

Pois o antigo largo do Rocio Pequeno virou, pela primeira vez, tema de romance. Acaba de sair “O Preto que Falava Iídiche” (Record), de Nei Lopes, a mais bem realizada ficção do autor, que até agora se dava melhor nas histórias curtas (“171-Lapa-Irajá” e “20 Contos e Uns Trocados”) do que nas longas.

Como nota o jornalista Hugo Sukman na orelha, o livro apresenta um enredo de rancho carnavales­co, ao contar o relacionam­ento proibido do mulato Nozinho com a bela judia Rachel, entrelaçan­do numa grande alegoria a estrela de Davi e o machado de Xangô. O palco é a praça e seus arredores, onde, do fim do século 19 a meados da década de 1940, ferveu um intenso caldo cultural.

Fixaram-se ali escravos libertos e emigrantes portuguese­s, espanhóis, italianos, árabes e, sobretudo, judeus. Estava mais para Lower East Side de Nova York do que para Pequena África. O cheiro do “kneidlach” no caldo de galinha impregnava a região de prédios com lojas no térreo e moradias no andar de cima. Para diversão, havia as sinucas e gafieiras como a Kananga do Japão, maior saudade do gráfico Adolfho Bloch.

O livro de Nei Lopes pode ajudar o prefeito a mudar seus planos de fazer o Museu do Holocausto no morro do Pasmado, em Botafogo. O lugar ideal seria a Cidade Nova, nas imediações de onde ficava a praça Onze. Quem sabe ao lado do Museu da Escravidão, projeto que também aguarda para sair do papel.

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