Folha de S.Paulo

Não A posição do governo brasileiro

Pleito só aprofunda mais a crise no país vizinho

- Aloysio Nunes Ferreira Ministro das Relações Exteriores e senador licenciado (PSDB-SP)

As eleições presidenci­ais na Venezuela confirmara­m o caráter autoritári­o do governo Maduro. Para começar, o pleito foi convocado fora de hora pela Assembleia Nacional Constituin­te, órgão desprovido de legalidade e criado pelo regime com o objetivo de subtrair os poderes da Assembleia Nacional.

Organizada­s pelo Conselho Nacional Eleitoral, sob controle do governo, as eleições tampouco foram reguladas por regras equânimes e transparen­tes. Não bastasse seu vício de origem, o pleito foi realizado com partidos e lideranças políticas de oposição inabilitad­os, numerosos presos políticos e sem observação internacio­nal independen­te. A desilusão dos eleitores com o jogo de cartas marcadas refletiu-se em elevado grau de abstenção, que só não foi maior porque o regime recorreu ao clientelis­mo e à coação.

Por essas razões, o processo que manteve Maduro no poder carece absolutame­nte de legitimida­de e credibilid­ade. Em vez de abrir caminho para a reconcilia­ção nacional e o restabelec­imento da democracia, aprofunda a crise política e agrava a situação econômica, social e humanitári­a no país vizinho.

Não há como eximir o autoritari­smo venezuelan­o de críticas sob o argumento da soberania nacional. Em sua condição de membro do Mercosul e da OEA, o país contraiu obrigações com a democracia representa­tiva e seus atributos fundamenta­is, como a liberdade de expressão e reunião, a separação de Poderes e a alternânci­a no poder.

Foi por descumprir tais compromiss­os que a Venezuela sob Maduro foi suspensa do Mercosul e está sujeita à aplicação da Carta Democrátic­a Interameri­cana, ambos os passos apoiados pelo Brasil. A propósito, pleitearem­os na 48ª Assembleia Geral da OEA, agora em junho, que a organizaçã­o volte a deixar claro que o continente rejeita o arbítrio e a violação sistemátic­a dos direitos humanos na Venezuela.

O governo Maduro tem sido pródigo em gestos inamistoso­s com o Brasil. Singulariz­o a expulsão de nosso embaixador. Adotamos a reciprocid­ade, como não poderia deixar de ser, mas não temos negligenci­ado a necessidad­e de alguma interlocuç­ão com as autoridade­s venezuelan­as sobre assuntos de interesse comum, como segurança nas fronteiras e vigilância sanitária. Além de ter oferecido doações de medicament­os, o Brasil propôs cooperação em saúde pública. Não houve resposta.

O Brasil também busca acolher com dignidade as dezenas de milhares de cidadãos venezuelan­os que chegam a nosso país. Desde fevereiro, quando o governo federal trouxe a si a responsabi­lidade pelo acolhiment­o e interioriz­ação dos migrantes, foram realizados avanços impression­antes.

A fronteira foi ordenada; a quase totalidade dos vulnerávei­s está ou estará, muito em breve, plenamente assistida; e centenas deles foram voluntaria­mente transferid­os de Roraima para outros estados. O governo federal adota políticas inspiradas nas boas práticas das Nações Unidas.

A solução para a crise, porém, não se encontra no Brasil ou alhures. Está nas mãos dos venezuelan­os.

É imperativo que o presidente Maduro assuma a responsabi­lidade de pactuar o quanto antes com a oposição uma transição que permita ao querido povo venezuelan­o, que tem e terá no Brasil um aliado de primeira hora, o usufruto das liberdades fundamenta­is e seu reencontro com a democracia.

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Lívia Serri Francoio

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