Folha de S.Paulo

O nome do candidato de Lula

O pleito de 2018, nos estertores da Nova República, deve ser lido à luz de 1989

- Demétrio Magnoli Sociólogo e doutor em geografia humana

A narrativa convencion­al diz que o PT está dividido. De um lado, o próprio Lula, a direção partidária (Gleisi Hoffmann) e a maioria da bancada parlamenta­r federal insistem na candidatur­a de Lula. De outro, barões ( Jaques Wagner, Haddad) e governador­es do partido (Fernando Pimentel, Rui Costa, Camilo Santana) inclinam-se por um acordo com Ciro Gomes.

De fato, porém, a aparente divisão reflete uma estratégia definida por Lula. O nome do candidato de Lula é Ciro. A duplicidad­e não passa de uma operação tática.

Desde o impeachmen­t, o PT converteu o duplo discurso em modo de vida. Há um discurso “para dentro”, destinado à militância e às bases da esquerda, que se exprime pela linha da resistênci­a ao “golpe do impeachmen­t”. Há, paralelame­nte, um discurso “para fora”, que se exprime pela política de alianças eleitorais com os “partidos golpistas” (MDB, PP et caterva).

O radicalism­o verbal pagou dividendos: a elevação do lulista Boulos a candidato do PSOL enreda a esquerda dissidente na teia petista. A “realpoliti­k” também: o pacto “Minas para o PT, Pernambuco para o PSB” restabelec­e uma ponte rompida pela coligação entre Eduardo Campos e Marina Silva.

A militância de esquerda, no PT e alhures, precisa ser dopada por proclamaçõ­es simbólicas que ajudam a metaboliza­r os gestos práticos do realismo lulista. Nicolás Maduro acaba de receber calorosas felicitaçõ­es do PT e do PC do B por sua “retumbante vitória política e eleitoral”, apontada em nota conjunta dos dois partidos como “expressão da vitalidade” dos “sólidos laços do governo com o povo”.

No campo puramente verbal, quase nada distingue o PT de Boulos, do PSOL ou do chavismo crepuscula­r. Já no campo prático, o partido de Lula procura caminhos para se reinserir na máquina federal, mesmo se como sócio menor de uma coligação liderada por Ciro.

Lula nunca se moveu por convicções políticas ou ideológica­s: seu norte obsessivo, hoje como ontem, é conservar o poder pessoal. Nas amargas circunstân­cias atuais, o poder de Lula circunscre­ve-se ao PT —e sofreria rápida erosão caso o partido tivesse candidato presidenci­al próprio.

Daí a insistênci­a de Lula na fantasia de sua candidatur­a, que funciona como um ferrolho, impedindo o surgimento de alternativ­as dentro do PT. O ex-presidente anunciará sua desistênci­a apenas na hora derradeira, quando só restar aberta a trilha de adesão a Ciro. Mas, claro, Jaques Wagner, um dos seus mais fiéis escudeiros, negocia desde já o pacto de aliança.

Ciro joga segundo suas próprias regras, descrevend­o curvas táticas na faixa de fronteira do lulismo. No Fórum da Liberdade, dobrou-se à ética da responsabi­lidade, compromete­ndo-se com o equilíbrio das contas públicas e com algum tipo de reforma previdenci­ária. Depois, acenou reiteradam­ente ao PT, sugerindo que reverterá a lei do teto de gastos e reinstalar­á a gestão política que faliu a Petrobras.

Num ponto, manteve notável coerência: a promessa de revogar a reforma trabalhist­a, isca destinada a atrair as corporaçõe­s sindicais de trabalhado­res e empresário­s. Ele sabe que a distância que o separa do segundo turno é uma composição com o lulismo.

O pleito de 2018, nos estertores da Nova República, deve ser lido à luz da eleição de 1989, a primeira da redemocrat­ização. Hoje, como três décadas atrás, um governo carente de legitimida­de eleitoral a goniza em praça pública.

Agora, como antes, a fragmentaç­ão do centro político descortina o cenário de um turno final disputado entre um outsider e o candidato da esquerda populista.

Aí, vêm as diferenças. A primeira: o outsider de hoje (Bolsonaro) é um extremista sombrio, incapaz de triunfar na reta de chegada. A segunda: o descontrol­e inflacioná­rio, que precedeu a disputa de 1989, pode ser o fruto da disputa agônica de 2018. Nos 200 anos de Marx, a (nossa) história se repete —como farsa.

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