Folha de S.Paulo

Ao lado de Forças Armadas, STF virou avalista de ações repressiva­s de Temer

- Eloísa Machado de Almeida Professora e coordenado­ra do Supremo em Pauta FGV Direito SP

O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes deferiu uma liminar contra o movimento dos caminhonei­ros, determinan­do a desocupaçã­o imediata das rodovias, inclusive com uso de forças da segurança pública, caso necessário.

A decisão impede que o movimento ocupe qualquer lugar nas rodovias, mesmo que parcialmen­te e para realização de protesto, inclusive no acostament­o. A decisão determina, ainda, a aplicação de multas a entidades e aos motoristas pessoalmen­te, caso resistam a cumprir a decisão.

A arguição de descumprim­ento de preceito fundamenta­l (ADPF 519) foi proposta pelo presidente Michel Temer um pouco antes do pronunciam­ento em que creditou “a uma minoria radical” a manutenção da greve mesmo após celebração de acordo. Com a ação judicial, há dúvidas sobre a manutenção dos termos do acordo.

A ação estava baseada em decisões judiciais que negaram a pretensão do governo de ver reintegrad­a a posse das rodovias e extinta as manifestaç­ões.

Para parte dos juízes federais em diferentes regiões do país, a paralisaçã­o dos caminhonei­ros estaria abrangida pelo direito de manifestaç­ão e de greve sem abuso, já que estaria permitida passagens de carros, ambulância­s, garantindo o direito de ir e vir dos cidadãos.

Apenas a hipótese de bloqueio total de rodovias caracteriz­aria um abuso. A liminar dada por Alexandre de Moraes suspende todas as decisões contrárias aos interesses do governo relativas ao protesto.

A liminar dada por Alexandre de Moraes —único ministro dentre os 11 do STF que foi indicado por Temer— pode ser confrontad­a com uma jurisprudê­ncia do tribunal que tem declarado, ao longo dos anos, que o direito à manifestaç­ão é também um direito de incomodar, não cabendo ao Judiciário, ou ao Estado, entrar no mérito de sua legitimida­de.

No julgamento sobre a Marcha da Maconha, que interdita a avenida Paulista, o Supremo reconheceu a “legitimida­de, sob perspectiv­a estritamen­te constituci­onal, de assembleia­s, reuniões, marchas, passeatas ou encontros coletivos realizados em espaços públicos (ou privados)”. A greve possui uma disciplina legal mais rigorosa, mas tampouco há um julgamento sobre a abusividad­e da paralisaçã­o.

Mesmo antes de qualquer decisão judicial, Temer decretou mais uma atuação das Forças Armadas em operação de Garantia de Lei e Ordem em todo território nacional, para “prover abastecime­nto”.

Mesmo tendo sido anunciada em entrevista coletiva por um punhado de ministros, nenhum deles explicou as razões para se adotar medida excepciona­l que, pela Constituiç­ão e pela lei, só poderia ser acionada quando esgotados todos os outros recursos.

Além de todos os problemas, já conhecidos, de se usar as Forças Armadas na segurança pública, a abrangênci­a nacional desse decreto de GLO abre perigoso precedente de presença e emprego de Forçadas Armadas indiscrimi­nadamente.

A determinaç­ão de fim da paralisaçã­o surte efeitos imediatos e deverá ser analisada pelo plenário do Supremo assim que possível.

Porém, a decisão liminar parece já garantir a Temer o que ele parecia buscar com a ação: dividir com o tribunal o altíssimo custo de repressão a um protesto que conta com consideráv­el apoio popular.

O tribunal se tornou, por meio de um de seus ministros, avalista de ações de repressão que o governo venha a adotar, inclusive com o anunciado uso de Forças Armadas.

Abrangênci­a de decreto abre perigoso precedente de presença e emprego de

Forças Armadas indiscrimi­nadamente

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