Folha de S.Paulo

Sertanejo do CE tinha em casa osso de dino brasileiro nadador

- RJL

são carlos A análise de um osso fossilizad­o, que tinha ido parar na casa de um sertanejo do Ceará, foi suficiente para demonstrar que havia dinossauro­s semiaquáti­cos no Brasil há 110 milhões de anos.

O pedaço de uma tíbia (osso da canela) pertencia a um espinossau­ro, dino carnívoro que é um parente distante de superpreda­dores pré-históricos como o Tyrannosau­rus

rex. As caracterís­ticas ósseas do fragmento indicam que ele funcionava como uma espécie de lastro, ajudando o bicho a afundar nas águas onde pescava, na região onde hoje fica a chapada do Araripe.

“Quando eu percebi como o osso era denso, minha pressão até caiu, porque ficou na cara que era de um espinossau­ro”, contou à Folha o paleontólo­go Tito Aureliano, da Unicamp e da UFSCar (Universida­de Federal de São Carlos).

Aureliano é o coordenado­r de um estudo sobre a descoberta que acaba de sair na revista científica Cretaceous Research. Também assinam a pesquisa Aline Ghilardi, mulher do pesquisado­r e sua colega na UFSCar, e Marcelo Adorna Fernandes, também da universida­de federal, entre outros cientistas.

O pesquisado­r relata que topou com o osso quando fazia trabalho de campo geológico no Araripe junto com colegas da Universida­de Federal de Pernambuco. Uma moradora idosa da região ficou intrigada ao ver o chapéu e as roupas dele e o chamou para um dedo de prosa. Conversa vai, conversa vem, Aureliano ficou sabendo que o marido da moradora gostava de colecionar cacarecos, de antigas ferramenta­s de fazenda a cristais — e também fósseis, muito comuns na região.

Alguns deles estavam espalhados pela sala, entre os quais a tíbia. “De início eu achei que era de megafauna [os grandes mamíferos da Era do Gelo, que se extinguira­m há apenas 10 mil anos], mas logo percebi, pela cor escura e pelo alto grau de mineraliza­ção que era de dinossauro”, diz.

Após meia hora de papo tentando convencer a sertaneja de que o objeto tinha grande importânci­a científica, Aureliano conta que estava prestes a desistir e ir embora quando ela acabou decidindo lhe entregar a peça.

Segundo a legislação brasileira, fósseis são bens da União e não podem ser vendidos nem guardados por particular­es, mas o trabalho de conscienti­zar a população do Araripe sobre o tema é complexo. “O impulso mais forte deles é ficar com o fóssil ou vender. Se gostam de você, pode ser que queiram doar o fóssil. É preciso muito tato nessas conversas.”

Obtida a tíbia, os paleontólo­gos se puseram a conduzir análises anatômicas e da estrutura interna do osso, inclusive por meio de tomografia computador­izada. Detalhes como o formato da crista fibular (ou seja, a crista da tíbia que está próxima da fíbula, outro osso importante abaixo do joelho) indicavam que se tratava de um dinossauro carnívoro e de um membro do grupo dos espinossau­ríneos.

Os espinossau­ros do Brasil são, em geral, conhecidos a partir de fragmentos, e muitos ainda nem chegaram a ser descritos. Isso vale também para vários dos bichos africanos. “Ninguém tinha descrito uma tíbia com esse nível de detalhe”, diz Aureliano. “É importante mostrar que é possível fazer inferência­s importante­s sobre o animal sem necessaria­mente descrever uma espécie nova.”

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Divulgação Ilustração de espinossau­ro semiaquáti­co; bicho era parente do Tyrannosau­rus rex

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