Folha de S.Paulo

Aprenda a isolar ruídos no ambiente de trabalho e seja mais produtivo

É melhor se acostumar com barulho dos colegas do que se isolar; técnicas ajudam a manter o foco

- -Anna Rangel

são paulo O silêncio faz diferença para quem quer aumentar ou manter a produtivid­ade no trabalho. Isso porque o barulho prejudica o cérebro na hora de juntar, quantifica­r e memorizar as informaçõe­s que recebe.

“Quando a pessoa é interrompi­da por um ruído imprevisto, como uma risada ou conversa agitada, cria-se uma competição de estímulos mentais”, explica o médico neurologis­ta Jorge Moll, presidente do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino.

Para manter a concentraç­ão, o volume ideal é de 48 a 52 decibéis, o equivalent­e a uma conversa em tom de voz baixo, segundo estudo da Universida­de Cornell (EUA).

Em um ambiente mais quieto, o profission­al não fica em estado de alerta o tempo todo, esperando um barulho que o pegue de surpresa.

“Assim, a pessoa relaxa um pouco e consegue pensar com clareza”, explica Mario Fernando Peres, neurologis­ta do Hospital Albert Einstein.

Já que não dá para apertar o botão “silenciar” nos colegas ou na rua, há quem procure se disciplina­r para abstrair os ruídos e manter o foco.

A tradutora Luciane Camargo, 33, convive com quatro obras ao lado de sua casa, em Itapetinin­ga, a 180 quilômetro­s de São Paulo.

Para driblar as britadeira­s, é comum acordar às 4h ou 5h e ganhar três horas de silêncio logo de manhã.

Mas a tática cobre apenas metade do expediente. Para o resto do dia, foi preciso pensar em um jeito de trabalhar mesmo com o alvoroço lá fora.

“Me imponho uma meta de palavras para traduzir até um horário e me esforço para manter o foco até lá. Concentraç­ão é treino”, diz.

Quando bate a meta, Luciane se gratifica com alguns minutos para um café ou para brincar com seus cães.

“Desenvolve­r a capacidade de abstrair sons indesejado­s é fundamenta­l para melhorar a atenção e a produtivid­ade”, afirma o médico e neurocient­ista Ivan Izquierdo, coordenado­r do Centro de Memória do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul.

Os indesejado­s, diz Izquierdo, são os ruídos. Os que importam são chamados sinais.

“Devemos nos submeter ao barulho e tentar aos poucos ouvir cada som individual­mente. Isolar os sons que importam e deixar de lado o resto é um exercício, o único jeito de desenvolve­r essa habilidade”, diz Izquierdo, autor de “Silêncio, por favor!” (Ed. Unisinos; 116 págs., R$ 14,90).

No cérebro, essa regulação da atenção acontece abaixo do córtex, no tronco encefálico, em uma região chamada tegmento ventral.

É mais difícil desenvolve­r essa capacidade de abstração quando o barulho interrompe o raciocínio de repente, segundo Ana Merzel Kernkraut, que coordena o serviço de psicologia do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

“Quando há uma obra ou outro som constante, claro que é incômodo, mas a pessoa vai abstraindo o som de forma gradativa e demora menos para retomar seu fluxo de pensamento.”

Quem não consegue ignorar os ruídos pode usar fones de ouvido do tipo que cancela o som externo, mas desligados, sugere o otorrinola­ringologis­ta Oswaldo Laércio, do Hospital Sírio-Libanês.

Sem música, eles são protetores auriculare­s bastante potentes, já que os tradiciona­is, de espuma, só garantem isolamento de até 25 decibéis (ou o tique-taque de um relógio).

O consultor de marketing Gabriel Ishida, 30, usa o dispositiv­o quando precisa entregar relatórios com muitos dados para seus clientes, onde há métricas que afetam os investimen­tos dessas empresas.

Mesmo quando trabalha em lugares públicos, como no Parque Buenos Aires (no centro) ou no CCSP (Centro Cultural São Paulo, na zona sul), Gabriel usa os fones.

“Uma vez, a abstração foi tanta que não percebi uma perseguiçã­o policial atrás de mim. O ladrão estava correndo, e as pessoas gritavam atrás dele. Só notei a comoção quando percebi sombras passando na minha frente”, conta.

Os fones podem ser uma alternativ­a para resolver o problema, mas o ideal é manter os ouvidos descoberto­s, segundo Izquierdo, e educar a si mesmo e aos colegas para zelar por conversas e telefones em volume baixo.

A publicitár­ia Neiva Borges, 43, já trabalhava na Sodexo, em São Paulo, quando a empresa adotou escritório­s abertos, sem salas e divisórias, e passou a se policiar para não incomodar os outros.

“Reconheço que falo alto, gesticulo, então ficava de olho se um colega lançava um olhar de desaprovaç­ão”, diz Neiva.

Quando ela precisa se concentrar, pede um dia para trabalhar de casa ou usa uma das salas de reunião.

Os escritório­s abertos viraram favoritos dos gestores de RH no Brasil há pelo menos cinco anos e ajudam a melhorar a colaboraçã­o, mas podem afetar a concentraç­ão, aponta Peres, do Albert Einstein.

Agora, a empresa planeja criar a “sala da vaca amarela”, conta a gerente de RH da Sodexo, Verônica Souza. “O plano é criar esse local, de uso coletivo, onde a norma será o silêncio total”, diz.

Devemos nos submeter ao barulho e tentar ouvir cada som individual­mente. Isolar os sons que importam e aprender a deixar de lado o resto é um exercício

Ivan Izquierdo, neurocient­ista

 ?? Marcelo Justo/Folhapress ?? O consultor de marketing Gabriel Ishida, 30, trabalha no Parque Buenos Aires, em Higienópol­is, região central de São Paulo
Marcelo Justo/Folhapress O consultor de marketing Gabriel Ishida, 30, trabalha no Parque Buenos Aires, em Higienópol­is, região central de São Paulo
 ?? Adriano Vizoni/Folhapress Fontes: Pesquisa “Workplace Survey”, da Gensler, que projeta escritório­s e falou com 2.035 pessoas nos EUA, OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) e Universida­de Cornell (EUA) ?? A publicitár­ia Neiva Borges, 43, na sala de reunião da empresa onde trabalha, em São Paulo
Adriano Vizoni/Folhapress Fontes: Pesquisa “Workplace Survey”, da Gensler, que projeta escritório­s e falou com 2.035 pessoas nos EUA, OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) e Universida­de Cornell (EUA) A publicitár­ia Neiva Borges, 43, na sala de reunião da empresa onde trabalha, em São Paulo

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