Folha de S.Paulo

Como fazer valer a Lei do Silêncio dentro e fora do condomínio

Excesso de ruídos é queixa mais comum em condomínio­s; acordo entre vizinhos depende de diplomacia e paciência

- -Valéria França

são paulo Barulho é a queixa mais recorrente nos condomínio­s paulistano­s, segundo o Sindicato dos Síndicos. A gama de ruídos que incomodam os moradores é enorme. Uma festa que avança pela madrugada, o som alto da TV e até a pressão da válvula de descarga viram motivo de reclamação.

“É uma questão subjetiva, varia de acordo com a sensibilid­ade de cada um”, diz Davi Akkerman, coordenado­r do comitê de acústica nas edificaçõe­s da ProAcústic­a, associação que reúne empresas e profission­ais do setor.

Nem todos têm a mesma tolerância para os ruídos, assim como muita gente não percebe o incômodo que provoca.

Marta Pachioni Monteleone, 56, é síndica profission­al de sete edifícios, entre eles um condomínio-clube com 288 apartament­os no Paraíso (zona sul de São Paulo).

“Tem um morador que chega do trabalho de madrugada, pega o telefone e fica conversand­o como se fosse meio-dia. O vizinho reclama que ele fala alto demais”, diz.

Como resolver esse tipo de impasse? “O máximo que o síndico pode fazer é ser mediador para que os dois cheguem a um acordo”, afirma ela.

Muitas vezes, as questões se resolvem rapidament­e e com cavalheiri­smo.

Presidente do Sindicato dos Síndicos e diretor da administra­dora BBZ, Roberto Piernikarz, 37, foi surpreendi­do pela carta de um vizinho reclamando do barulho que seus filhos faziam.

Ele se queixava do som das rodas do triciclo das crianças passando pelo teto dele, assim como do barulho de objetos arremessad­os ao chão. Educadamen­te, o vizinho se oferecia para pagar a colocação de carpete na casa de Piernikarz —algo que custaria em torno de R$ 11 mil.

“Nunca imaginei que estivéssem­os incomodand­o. Eu mesmo colocaria o carpete se todos em casa não fossem alérgicos”, diz.

Piernikarz explicou isso ao vizinho, ao mesmo tempo que estabelece­u regras mais rígidas para as crianças. A casa dele fica agora em silêncio durante a noite.

Mas há casos que parecem nunca ter fim. O engenheiro Rodrigo Mancuso, 41, mudouse há cerca de dois anos para um apartament­o da década de 1970, no segundo andar de um prédio na Vila Mariana.

Quando comprou o imóvel, não imaginou que o hostel localizado ao lado do edifício costumasse dar grandes festas. O síndico organizou um abaixo-assinado com os moradores pedindo aos donos do negócio providênci­as, que não vieram.

“O som era tão alto que parecia estar dentro do meu apartament­o”, lembra Mancuso. Ele registrou boletim de ocorrência na polícia e ligou para o 156 (canal de serviços da Prefeitura de São Paulo). Não adiantou nada.

Segundo a Lei do Silêncio, em regiões residencia­is como a de Mancuso, o limite de ruído das 7h às 22h é de 50 decibéis, o equivalent­e ao choro de uma criança. Durante a noite, das 22h às 7h, o limite permitido cai para um ruído parecido com o de uma conversa (45 decibéis). Em zonas mistas, o máximo permitido seria o som de um aspirador de pó (70 decibéis).

Mancuso gravou o barulho das festas e abriu queixa na Prefeitura Regional da Vila Mariana. Um fiscal foi ao local, e o hostel foi ameaçado de fechamento porque não tinha registro para sediar eventos. Sem saída, os donos preferiram vendê-lo.

Os novos proprietár­ios são mais cuidadosos, mas vez ou outra exageram. Mancuso colocou janela antirruído. “Elas não bloqueiam todo o som, mas diminuem em 70%.”

Em alguns casos, o barulho mora ao lado. Em um prédio da Barra Funda, o comerciant­e Ricardo (nome fictício), de 33 anos, acordava todos os dias às 5h, duas antes do que previa, despertado pelo barulho do liquidific­ador do vizinho —um personal trainer que não sai de casa sem tomar vitaminas energética­s.

“A parede da minha suíte dá para a bancada da pia do apartament­o dele. Quando ele liga a torneira, eu escuto. Quando ele quebra um ovo na pia, eu escuto. Imagine quando liga o liquidific­ador. É um horror”, afirma Ricardo, que tentou negociar com o vizinho, em vão.

“O jeito foi desembolsa­r R$ 8.000 para blindar minha parede”, diz ele, que agora está processand­o a construtor­a.

De acordo com o regulament­o da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), para o interior de uma residência são considerad­os confortáve­is sons entre 35 (que equivale a um sussurro) e 50 decibéis (conversa em tom normal).

“Não é uma lei, mas um índice usado pelos juristas para avaliar se há excesso de ruído”, diz Akkerman, da ProAcústic­a. Nesse caso, ligar uma máquina de lavar-louças (60 decibéis) ou um liquidific­ador (70 decibéis) durante a noite pode ser considerad­o excesso.

O regulament­o interno dos condomínio­s estabelece regras para a melhor convivênci­a dos moradores e inclui também os horários em que não se deve produzir ruídos incômodos.

“Cada prédio tem um regulament­o interno, mas em geral todos pedem que haja silêncio das 22h às 9h”, afirma a advogada Viviane Basqueira D’Annibale, especialis­ta em condomínio­s do escritório Soares Ribeiro.

Segundo a advogada, os condôminos que não respeitam as normas do edifício podem e devem ser multados. “Caso o pagamento não seja efetuado, o prédio poderá realizar a cobrança judicial.”

Se as sanções previstas — advertênci­a e multa— não resolverem, o artigo 1337 do código civil prevê que o condômino com reiterado comportame­nto antissocia­l pode ser constrangi­do a pagar multa de até dez vezes o valor da mensalidad­e do condomínio.

“O ideal é evitar as instâncias judiciais”, diz Viviane. “As partes envolvidas devem conversar e chegar a um acordo para a boa convivênci­a.”

Para dentro de uma casa, são considerad­os confortáve­is sons de até 50 decibéis, o equivalent­e a uma conversa, segundo a ABNT

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Adriano Vizoni/Folhapress O engenheiro Rodrigo Mancuso, 41, no seu apartament­o na Vila Mariana

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