Morre J. Hawilla, 74, jornalista e pivô de escândalo da Fifa
Após acordo com Justiça dos EUA, empresário entregou dirigentes do futebol
são paulo J. Hawilla fez fortuna com a venda de placas de publicidade em estádios, intermediação de atletas e negociações de direitos de TV de torneios. Por causa destes últimos, se tornaria delator da Justiça americana e seria proibido de deixar os EUA por cinco anos, de 2013 a 2018.
Mas ele sempre gostou de dizer que era jornalista.
O empresário, um dos delatores do pagamento de propinas para dirigentes do futebol sul-americano, morreu nesta sexta (25) aos 74 anos, em São Paulo, em decorrência de problemas respiratórios.
“Eu gosto de colocar a mão na massa”, dizia sobre sua atuação na Rede Bom Dia, composta por 11 jornais no interior de São Paulo, e o Diário de São Paulo.
Não era verdade. Mas fazia parte da sua ambição de ser visto como respeitável homem de imprensa. Encontrou longe dos jornais as empresas que eram fontes mais seguras de dinheiro.
Também por isso contava a história de que começou a trabalhar com marketing esportivo por ter sido demitido da Rede Globo após a greve dos jornalistas em 1979.
Não guardou qualquer rancor da emissora. José Hawilla era o dono da TV TEM, grupo de quatro canais regionais responsáveis pela retransmissão da Globo para 49% da população do estado de São Paulo.
Recusou-se a vendê-la até o fim da vida, apesar do interesse de outras afiliadas. “Vamos mantê-la”, disse à Folha.
Também fez vários negócios com a Globo nas compras e vendas de direitos de transmissão de futebol.
Não deixava de enfrentá-la, se fosse bom para os negócios. Quando a Traffic, empresa criada por ele nos anos 1980, organizou o primeiro Mundi-
al de Clubes da Fifa em um novo formato, em 2000, e a Globo não se interessou, repassou os direitos para a Rede Bandeirantes.
Os horários dos jogos foram escolhidos para coincidir com o Jornal Nacional e a novela das oito. A audiência da final entre Corinthians e Vasco foi de 53 pontos. A maior da história da emissora paulista.
Foi um ataque que aprendeu com seu ex-amigo Ricardo Teixeira, então presidente da CBF. Em enfrentamento com a Globo, Teixeira usou sua influência na Conmebol para agendar as partidas da Copa América de 1991 (entre elas, um Brasil e Argentina) para as 19h45.
Teixeira e Hawilla se entenderam a partir de um denominador comum: negócios milionários no futebol.
A fundação da Traffic para cuidar de negócios com o futebol foi sua virada na vida. Antes disso, passou alguns meses vendendo cachorro quente na rua para sobreviver. Era outra história que gostava de contar.
O sucesso nas placas de publicidade o levou a fazer negócios com a CBF mesmo antes da chegada de Teixeira no poder, em 1989. O entrosamento dos dois foi imediato. Hawilla começou a ganhar milhões com a compra e venda de direitos de torneios como a Libertadores e a Copa América.
Adquiria-os por um valor baixo e os revendia com alta taxa de lucro. Ao ver o cerco da investigação da Justiça americana se fechar, confessou que tinha a preferência nas negociações porque pagava propinas para dirigentes. Entre eles, Teixeira, que se tornou seu desafeto.
Para evitar a prisão, Hawilla se tornou um dos colaboradores na investigação do Fifagate, o escândalo de corrupção na Fifa. Pelos últimos
cinco anos deu depoimentos, gravou conversas com outros empresários e cartolas e repassou documentos.
Por causa dele, Marco Polo Del Nero, ex-presidente da CBF, foi banido do futebol. José Maria Marin, outro mandatário da entidade, está preso em penitenciária no Brooklyn, em Nova York, à espera de sentença.
Hawilla explicou aos procuradores como funcionava a engrenagem de propinas e que os maiores beneficiados pelos seus pagamentos foram J. Hawilla, 74
Nascido em São José do
Rio Preto, era formado em Direito, mas fez carreira em emissoras de rádio e TV. Trabalhou na Rede Globo e Rede Record até pouco antes de criar a Traffic, empresa de marketing esportivo que passou a negociar direitos de transmissão de torneios de futebol no Brasil e no exterior. A partir de 2013, virou peça-chave na investigação do FBI sobre o pagamento de propinas a dirigentes da Fifa, que ficou conhecido como Fifagate
Teixeira, o paraguaio Nicolas Leoz (presidente da Conmebol entre 1986 e 2013) e o argentino Julio Grondona (presidente da Associação de Futebol Argentino entre 1979 e 2014, quando morreu).
Disse como perdeu terreno na entidade com a ascensão de um grupo de cartolas mais jovens e de países que estavam alijados do esquema.
Por causa da colaboração, recebeu autorização para voltar ao Brasil em fevereiro. Seriam apenas alguns meses, na teoria. Mas sua saúde já era debilitada. A promotoria pediu à juíza Pamela Cheng, responsável pelo caso, para adiar a sentença de Hawilla de abril para outubro deste ano.
O brasileiro prestou depoimento com ajuda de balão de oxigênio. Com a voz cansada, disse ter sofrido de câncer na garganta. Convivia com problemas pulmonares.
No voo que saiu de Miami e o trouxe a São Paulo, Hawilla passou mal ao ponto de deixar os filhos (Stefano, Renata e Rafael) desesperados. Os remédios que levou a bordo não fizeram efeito. Teve de usar uma bomba de oxigênio.
Em seu país natal, visitou São José do Rio Preto (445 km da capital), a cidade onde nasceu, mas passou a maior parte do tempo em sua casa em São Paulo. Deixa empresas no Brasil em seu nome e em nome de familiares que valem cerca de R$ 750 milhões.
Até o fim conservou superstições, como a ojeriza a cores escuras, que associava com a morte. Ainda quando era dono do Diário de São Paulo, foi almoçar com executivos da empresa em um bistrô. Ficou calado o tempo inteiro e de cara amarrada, apesar de ter dito estar satisfeito com os rumos do jornal.
“Eu não sei como vocês têm coragem de vir a um restaurante com toalhas de mesa pretas”, se queixou.
Levantou e foi embora.